28 setembro 2010

Contem-nos mentiras novas*

Em Portugal Cavaco Silva diz que é preciso dizer a verdade aos portugueses. E também que os partidos têm de se entender quanto ao orçamento. Ao orçamento que se conhece, claro, aquele determinado pelo PEC 1 e 2 e que desenha o caminho para os PECs que hão-de vir. E a verdade é essa mesma, que orçamento já existe e é o que se sente na pele e a vai rasgando todos os dias.

Na União Europeia os Ministros das Finanças acordam decidir os orçamentos uns dos outros, uns decidindo mais do que outros que nisto de países, como de porcos, uns são mais iguais que outros. E a democracia, quando toca a orçamentos, é um pormenor.

A OCDE vem aconselhar mais impostos, sobre o trabalho e o consumo, claro, que é aí que se pode taxar mais, já sabemos, que a finança não aguenta restrições e pode ficar muito debilitada. Já as pessoas que vivem do trabalho aguentam tudo, que remédio têm se não aguentar.

Os comentadores, uns com ar senatorial outros com ar mais despenteado, lá vão dizendo que temos é de perceber a verdade dos números, aceitar a pancada e pôr o corpo a jeito para a seguinte, que se não nos endireitamos vem aí o FMI o que até nem é mau, porque as contas e a democracia não jogam bem e o melhor mesmo é não decidirmos mesmo nada e o que for será. Mais pancada portanto, que é essa mesmo a nossa sina.

E nós podemos aceitar estas verdades e viver bem com os milhares de estudantes obrigados a deixar de o ser, com os mais pobres sem acesso a medicamentos, com contratados pelo Estado a 3 euros ilíquidos à hora, com o fim dos serviços públicos, com a economia a definhar e o desemprego a aumentar. Ou podemos recusar estas mentiras velhas.

Dia 29 Jornada de Luta Europeia. Só com mobilização se dá a volta a isto.


publicado hoje no esquerda.net


*a frase sempre presente numa parede do Porto

08 setembro 2010

Cultura: mais ou menos para todos

Quando olhamos o mapa da vida cultural do país chegamos à conclusão de que vivemos num imenso deserto. Em mais de 90% dos municípios, e segundo os números oficiais, a ratio de pessoas que fruíram de espectáculos ao vivo, de cinema ou de museus não vai além dos 0,3 por habitante. Ou seja, por cada pessoa que foi ao concerto do “querido mês de Agosto”, ver o blockbuster do momento ou visitar ao monumento da terra uma única vez no ano, duas não viram absolutamente nada. Se pensarmos que quem tem hábitos de fruição cultural não costuma ter frequências de apenas uma vez ao ano, percebemos que o número de pessoas sem qualquer contacto com as manifestações e instituições culturais é avassalador. Ou seja, a esmagadora maioria de nós não tem acesso à cultura.

Este mapa do deserto da nossa vida cultural colectiva marca duas exclusões: de acesso e de voz. Porque o imenso território da não fruição é também o território sem visibilidade, ignorado. Mesmo quando um cidadão de um dos pontos deste imenso território silencioso se desloca para lá das suas fronteiras para ir, por exemplo, a um museu, o sítio onde vive continua excluído; nesse local nada se cria para quem está, nada se projecta para fora. A partir desse local não se constrói nem se lê o global. O que as estatísticas relativas à fruição cultural nos dizem é também isto: a quase totalidade do nosso território está anulada.

Os exemplos de abandono multiplicam-se e revestem várias formas; da ruína à construção. Aqui ficam alguns:

Em muitas autarquias o investimento em cultura passa pela construção de edifícios – por obras públicas - que são abandonadas depois de inauguradas; multiplicam-se os teatros sem programação e as bibliotecas sem capacidade de aquisição de obras.

Em Marco de Canavezes foram construídos um restaurante e um centro de interpretação exemplares para acolher os visitantes de uma estação arqueológica. Estão encerrados; nunca chegaram sequer a funcionar.

Em Évora a autarquia e o Instituto do Turismo decidiram fechar o Museu de Artesanato para albergar no seu espaço a colecção de objectos de design de um coleccionador privado, sem nunca ouvir a população.

Em São Pedro do Sul, em que parte das freguesias não tem ainda saneamento, um castro romanizado abandonado mostra vestígios de saneamento da época romana; quem lá mora não faz sequer ideia que ali está um dos maiores castros da Península Ibérica. E os exemplos de abandono de património pelo país repetem-se. Em todos a dupla perda: do património propriamente dito e da oportunidade de conhecimento que proporciona.

O Bloco de Esquerda tem vindo a fazer propostas que respondam ao imperativo da democracia cultural: acesso à criação e à fruição em todo o território, igualdade de oportunidades para todos e todas. Uma das propostas do BE que irá ser debatida na Assembleia da República na sessão legislativa que agora começa é a criação da Rede de Teatros e Cine-Teatros Portugueses. Com este projecto-lei pretendemos dotar todo o território de equipamentos vocacionados para a criação artística, com capacidade de actuar a prazo e com a obrigação de trabalhar com as comunidades onde se inserem, mediante um processo de certificação de equipamentos já construídos e da criação de mecanismos de co-financiamento autarquia/Ministério da Cultura.

A nossa acção tem também acompanhado o (não) funcionamento de outras duas redes estruturantes: bibliotecas e museus. E em articulação com os activismos locais e sectoriais temos acompanhado a situação do património, do financiamento às artes, da difusão cultural. E este é um caminho a aprofundar.

Um dos maiores de desafios que se coloca à esquerda é combater a dupla desigualdade de acesso à cultura de populações e territórios. E este é um desafio essencial porque é exigência de democracia e simultaneamente necessidade estratégica de qualquer força política que se quer verdadeiramente alternativa. A exclusão cultural significa a televisão como absoluto, ou seja, a completa vulnerabilidade ao discurso dominante. O acesso à cultura é condição de alargamento da base social de apoio às políticas de esquerda, é condição de mudança. Há que transformar o deserto em terra fértil.


introdução (escrita a posteriori) ao debate com o mesmo título no Socialismo 2010

03 setembro 2010

convocatória

SITUAÇÃO DOS CIGANOS IMIGRANTES EM FRANÇA - MANIFESTAÇÃO EM LISBOA

SÁBADO, 04 DE SETEMBRO, 14H - FRENTE À EMBAIXADA FRANCESA

Convidam-se todos os interessados a participar na manifestação de solidariedade para com a situação dos ciganos imigrantes em França e de repúdio face às políticas securitárias do governo francês.
Esta manifestação acontecerá em simultâneo com várias manifestações em cidades francesas e em outras capitais de países europeus.
Pelos direitos humanos, pelo exercício de uma cidadania plural, pela igualdade de oportunidades e pelo direito a viver no local que escolhemos, de forma livre ou constrangida pelas precárias condições de vida.

Os promotores da iniciativa,


Maria José Casa-Nova (Universidade do Minho)
João Teixeira Lopes (Universidade do Porto)
José Maria Fernandes (Presidente da União Romani Portuguesa)



Adenda: no Porto a concentração é às15h30 frente ao consulado

01 setembro 2010

Saltar da plateia para o palco e mudar a história

Num relatório feito à medida da justificação do injustificável, a REN afirma que o Alto Douro Vinhateiro, património da humanidade, pode ficar completamente coberto por postes e fios de muito alta tensão porque os observadores são poucos. Sim, a paisagem fica destruída. Sim, os trabalhadores da vinha apanham choques todos os dias. Sim, há relatos de problemas graves de saúde. Mas os “observadores” são poucos, portanto o problema é negligenciável. Julgávamos nós que os habitantes eram cidadãos. Pelos vistos não passam de “observadores”. Que se espera que fiquem a assistir calmamente à destruição da vinha, do turismo, da saúde, da qualidade de vida, dos direitos.

E dos relatórios mais ou menos obscuros aos intermináveis painéis de comentadores televisivos o discurso repete-se: espera-se que as pessoas, ora tratadas como “observadores” ora como “beneficiárias” mas nunca como cidadãos e cidadãs com direitos e com voz, assistam ao esvaziamento do país e do Estado Social, e ao mais feroz ataque aos mais elementares direitos, sempre passivamente. Há até quem diga que a passividade é exigência de responsabilidade; que irresponsabilidade seria que alguém apontasse o dedo e dissesse não. Assim não. Não queremos pagar uma crise criada por um sistema financeiro que continua sem regras, a acumular lucros e a recusar pagar impostos. Não, não podemos tirar tudo a quem não tem quase nada e não pedir nada a quem tem quase tudo. Não, os nossos impostos não são para pagar a economia de casino em vez do serviço nacional de saúde. Não, o trabalho com direitos não é uma benesse. É um direito.

Não somos observadores nem irresponsáveis. E não podemos assistir passivamente ao encerramento do país - com o fecho das escolas, as privatizações, o desinvestimento público – e à destruição dos direitos – com os cortes cegos nas prestações sociais, a crescente precarização do trabalho, a aumento do desemprego. Sabemos bem onde nos leva este caminho: mais desigualdade, mais injustiça, mais pobreza, menos democracia. Com responsabilidade e determinação mobilizamo-nos e recusamos o caminho traçado. Nas lutas pelo emprego, pelo Estado Social, pelos direitos. Agosto chega ao fim e entramos em Setembro com forças redobradas.

publicado hoje no esquerda.net