21 dezembro 2010

Cavaco nunca

Esta semana Manuel Alegre apresentou o seu compromisso eleitoral; comprometeu-se com a defesa do Estado Social, dos serviços públicos e do emprego e com o combate ao trabalho precário, à pobreza, a todas as discriminações. Falou de economia e de Europa, da necessidade de uma economia e de uma Europa ao serviço das pessoas e da democracia. E afirmou Portugal como um espaço de Cultura vivo e aberto ao mundo.

Manuel Alegre assumiu o compromisso de vetar as leis que pusessem em causa o Serviço Nacional de Saúde, a Escola Pública e a exigência de justa causa para o despedimento. Três compromissos claros, concretos, pelos quais terá de responder no seu mandato como Presidente, caso seja eleito. E de Cavaco, o que poderemos esperar?

De Cavaco Silva nada sabemos de compromisso político, porque Cavaco é o político que insulta a política. É o chefe de Estado de uma democracia que não debate, que não responde a perguntas. É a voz que ataca o Estado Social e simula a compaixão nos eventos da caridade.

Cavaco Silva, o que nunca se engana e raramente tem dúvidas, o que não lê romances nem jornais, não se enganou quando escreveu na ficha da PIDE que se encontrava integrado no regime fascista do Estado Novo, não teve dúvidas quando os seus ministros responderam a toda a contestação com polícia de choque, não leu certamente o Evangelho Segundo Jesus Cristo, a obra de Saramago que o seu governo censurou.

Cavaco Silva, o homem que se auto-elogia como o paladino das finanças públicas equilibradas, que não imagina o que seria do país sem a sua presença, vê o seu BPN engolir em dinheiros públicos o equivalente a 20 anos de Ministério da Cultura sem pestanejar e provavelmente nunca se perguntou como seria o país sem o ruinoso negócio das parcerias público e privado que inaugurou.

Cavaco Silva, que parou os telejornais em Agosto para um discurso ininteligível sobre o estatuto dos Açores, não disse uma palavra quando, também num Agosto, quatro mulheres foram assassinadas numa só semana. Nunca se ouviu uma palavra de Cavaco sobre desigualdade ou violência de género. Mas sabemos que defendeu que as mulheres continuassem a ir para a prisão se abortassem.

As pessoas valem pelo que dizem e pelo que fazem. De Cavaco sabemos o que fez e o que não diz. De Manuel Alegre temos um compromisso claro e sabemos de quem vem; de alguém que lutou pela democracia, que foi uma voz a quebrar a censura no fascismo, que votou contra a revisão do Código do Trabalho, que defendeu a despenalização do aborto. A escolha da esquerda é simples.

Falta agora um mês para as eleições presidenciais. Temos um mês para obrigar Cavaco Silva a uma segunda volta e o derrotar. Derrotar Cavaco é um sinal necessário da mudança de que precisamos: é derrotar o autoritarismo, a mesquinhez, o medo, a inevitabilidade da desigualdade. Derrotar Cavaco e eleger Alegre é lutar por direitos, é escolher democracia. É não baixar os braços.

publicado no esquerda.net

09 dezembro 2010

Eu não Rio

Quando Rui Rio chegou à Câmara do Porto afirmou: nem mais um tostão para a Cultura enquanto existirem bairros degradados. E no mesmo ano cortou os apoios a todos os projectos culturais da cidade e a todas as associações e equipamentos dos bairros sociais. A mentira demagógica era óbvia mas foi colando. Dizia-se (diz-se ainda, como é possível?) que este é um homem sério a pôr as contas da cidade em ordem…

Dos bairros sabemos a história: perseguições aos habitantes, despejos cruéis, autênticas deportações de famílias de um lado para o outro da cidade e os bairros cada vez com menos equipamentos, cada vez mais guetizados, cada vez mais destruídos. Em tempo de eleições pintaram-se algumas fachadas, deixando o interior com pias em vez de chuveiros e a humidade a comê-los. A sensibilidade social de Rui Rio é a mesma dos especuladores imobiliários ávidos dos terrenos do Aleixo com vista para o Douro ou tremendo de excitação com a expulsão dos indesejados dos terrenos em volta dos dois únicos parques verdes da Cidade. Só não vê quem não quer.

E quanto à cultura? Bem, a primeira opção foi silenciar a criação artística da cidade e trocar cultura por entretenimento. Acabaram os apoios aos criadores, mas também a agenda cultural ou o apoio logístico à itinerância. E depois vieram as corridas de carros, com milhões em obras e destruindo até uma futura linha de metro, vieram os aviões malabaristas e os milhões na pista já sem uso e, claro, foi-se o Teatro Municipal. Os agentes culturais avisaram: é um atentado cultural e um negócio ruinoso. A autarquia prepotente impôs-se, o Governo encolheu os ombros.

Hoje a segunda cidade do país não tem Teatro Municipal. Já não tem há vários anos; quem pode chamar teatro municipal, que é por definição a casa de artes da pluralidade que é a cidade, a uma sala de espectáculos refém de musicais anglo-saxónicos dos anos 70? Mas hoje sabemos mais: sabemos que quem gritou bem alto “Eu não Rio” contra a decisão de entregar o Rivoli a Filipe La Feria acertou em todas as suas mais negras previsões. O Rivoli é agora uma sala destruída e a cidade foi saqueada.

Filipe La Feria teve apoios estatais como nenhum criador tem. Ganhou milhões em bilheteiras pré-compradas, arrecadou os patrocínios que eram para a cidade, e teve direito a fazer o que queria – sem pagar um tostão e sem nada preservar (até a concha acústica foi arrancada e apodrece agora em pedaços num armazém!) – num dos imóveis mais caros da cidade. E agora sai, deixa para trás dívidas, um teatro escavacado, uma cidade mais pobre. Mas entendamo-nos: ninguém elegeu La Feria para governar os destinos da cidade. O responsável é Rui Rio.

Rui Rio terá agora de reconhecer o tamanho do seu erro, arrepiar caminho e pedir o apoio dos agentes culturais do Porto. É essencial que o faça. Caso contrário o Rivoli passará a ser mais um edifício devoluto do centro do Porto. O Rivoli – Teatro Municipal precisa de se reerguer, construir uma programação plural, com ligação forte à cidade, desenvolver um serviço educativo, ligar-se em rede aos teatros municipais espalhados por todo o país, ir pouco a pouco refazendo as ligações com os circuitos internacionais. Os agentes culturais da cidade podem não perdoar a Rui Rio a prepotência, o insulto, a irresponsabilidade. Mas nunca abandonaram a cidade. Saiba a autarquia voltar a abrir-lhes a porta do seu palco.


hoje no esquerda.net