31 janeiro 2008

Há dias assim...

... que nos deixam de sorriso nos lábios.
No mesmo dia (ontem) em que o Público chama à capa o trabalho de Natália Faria publicado no P2 sobre o nosso "A Caminho do Resto do Mundo", sai o número de aniversário da Revista Obscena com um perfil do Visões Úteis assinado pelo João Paulo Sousa.


29 janeiro 2008

Um problema de dimensão

Hoje ouvi repetidas vezes: a remodelação no Ministério da Cultura não é muito relevante porque é um ministério sem dimensão. Esse é realmente o problema. A falta de dimensão do Ministério. Da Cultura, não. Mas no discurso dos analistas as coisas às vezes confundem-se assustadoramente. O Ricardo Costa dizia na SICNotícias que o MC tinha peso nalgumas pequenas indústrias e famílias que dependem de subsídios e patrocínios. Esqueceu-se da vida cultural do país. Esqueceu-se do direito à cultura dos cidadãos. Que, sem um Ministério com dimensão, está sempre ameaçado.
Pergunto-me como é que um Ministro pode, nesta altura da legislatura, ter algum impacto real? Um ministério sem orçamento é sempre um mau ministério. E este Ministro já não vai poder fazer grande coisa a esse respeito.

adenda: ouvi melhor o discurso de ontem do primeiro-ministro e o que ele prometeu foi 1% do PIB. Para a Cultura não está sequer em cima da mesa 1% do orçamento do estado. Repito: espero que ao menos a promessa sobre o investimento em ciência seja para cumprir.

28 janeiro 2008

a geração que sonha com o 1%

"Eu que sou a geração que sempre sonhou com o 1%", disse o Primeiro-Ministro, hoje, na inauguração do Instituto de Inovação e Investigação, ao anunciar que este ano o governo vai investir 1% do orçamento em ciência.
O programa eleitoral do PS falava também na meta do 1% para a Cultura. Mas isso parece que já foi esquecido há muito. Eu também sou da geração que sonha com o 1%. A tragédia é que os meus pais também.
Não faço ideia da percentagem de ficção/manipulação da promessa de hoje. Mas, há falta de melhor, entristece-me que a Cultura não mereça sequer uma demagógica atenção do nosso primeiro.
Os ministros fazem umas coisas aqui e ali, mas quem trata de tudo é o nosso primeiro. É isto que nos ensinam. Não importa o que cada ministro faça. Quando a decisão for importante, quem manda, só e ilumindado, é o chefe de governo.
Enquanto o chefe não olhar para o Ministério da Cultura, o 1% fica cada vez mais longe. E o chefe, como já se percebeu, não tem olhado para esses lados. Sabemos, por exemplo, que é um desportista. Exibe-o à exaustão. E os ginásios têm 5% de IVA, mas os CDs 21%. É assim que se faz política fiscal. Ou outra qualquer. É assim que se gere o país.
Esperemos que, pelo menos, o 1% da ciência seja real.

25 janeiro 2008

professores

O João desafiou-me para entrar em duas cadeias de blogs; uma de que ele fez parte - filmes - e outra que lançou - professores. Eu, incapaz de fazer "tops" ou sequer de perceber como é que alguém é capaz de escolher o mesmo "livro favorito" em duas ocasiões diferentes, fui decidindo por omissão deixar cair as cadeias. Na verdade, mesmo que conseguisse responder, não conseguia perceber a quem podia lançar o desafio. E não há cadeias sem passagem de testemunho.

Uma coincidência que, para mim, "caçadora de simetrias", como o adúltero que fomos roubar ao Millás, tem significados que não consigo explicar, mas que o meu irmão talvez perceba, reabilitou na minha memória o desafio da cadeia sobre professores. Na mesma semana em que o desafio foi renovado, percebi que a Ana promete voltar ao seu aquarela e que a Susana criou o umbilicalidades. É a elas que passo o desafio.

Agora só falta dar-lhe resposta. E aqui vai:

D. Aurora
A minha professora da escola primária em Aveiro. Ou seja, das semanas (meses?) da segunda e terceira classe que antecederam as partidas para Cabo Verde e de toda a quarta classe. A D. Aurora tinha tudo para que eu não gostasse dela. Distribuía quotidianamente palmatoadas de régua grossa de madeira, especialmente a quem não tinha ar de boas famílias (aparentemente eu tinha), atribuía todos os meus erros à "escola dos pretos" e mandava trabalhos para casa que incluíam ditados e nunca demoravam menos de duas horas a fazer.
A D. Aurora adorava ser professora e foi obrigada a reformar-se por ter atingido a idade máxima (setenta e ?). A minha turma foi a última a que deu aulas. E eu, sem que ninguém me dissesse para o fazer, ia visitá-la. Entre os 10 e os 15 anos, nas férias da Páscoa, lá ia eu comer uns biscoitos a casa da D. Aurora com um ramo de flores na mão. Aos 15 anos deixei de a ir visitar. Também deixei as aulas de piano. Nada teve que ver com a D. Aurora. Só com os 15 anos. Da D. Aurora nunca mais soube nada.

Albertina Santos
Num encontro em que se discutiu cultura, arte e internet, falou-se muito da mudança de paradigma na forma de absorver informação. O conhecimento por janelas que se sucedem em cascata substituiu o conhecimento linear. Um dos problemas dos sistemas de ensino seria precisamente o desfasamento entre professores que ensinam linearmente e alunos que aprendem por hyperlinks. Ora, a Albertina Santos, minha professora de história de liceu, sempre ensinou em hyperlink. Acima de tudo, sempre formou inteligência.

Rosa Maria Prata
Um dia disse-me que eu devia concorrer a um concurso literário. Tirando esse dia, e uns brevíssimos e discretos parabéns nos cinco anos em que ganhei o concurso, nunca me elogiou. Ensinou-me português e exigência. Comecei aos doze anos a aprender que a escrita é um processo constante de reformulação e que a procura é determinante. Quando em 2004 me vi, em Parma, na cave de uma associação de solidariedade para com os imigrantes, a tentar perceber que cidade era aquela por onde errávamos, no meio de estudos sociológicos, desenhos infantis e documentários, senti-me de volta ao arquivo de Aveiro, no meio dos mapas da ria. E pensei na Rosa Maria Prata.

Paulo Lisboa
Não foi o meu primeiro professor de teatro, mas é como se fosse. Foi o primeiro professor do curso de iniciação do CITAC. Fundou connosco o Visões Úteis. E depois deixou-nos para que pudéssemos crescer sem a sua sombra. Tragicamente abandonou-nos pouco depois. Dez anos passados, ainda não sou capaz de dizer/escrever muito mais.

João Veloso
Os meus professores de mestrado são todos muito bons. A bem da verdade, devo dizer que, depois da passagem pelo sistema feudal, com as suas palestras para grandes auditórios gelados e sem condições acústicas, e da experiência do ensino à distância, os professores de mestrado foram, efectivamente, os meus primeiros professores universitários. Mas tenho a certeza que não é por falta de termo de comparação que digo que são muito bons. São objectivamente bons. Cientifica, etica e pedagogicamente.
O João Veloso fez um pequeno milagre: eu gosto, e até percebo um bocadinho, de fonologia. Eu, que tinha tanta certeza de que a fonologia seria o pesadelo. E, porque a vida não é feita de gavetas, fez uma intervenção em que mostrou uma compreensão de muitos dos nossos porquês, quando aceitou o convite para falar sobre um dos nossos espectáculos. Esperando que me perdoe, cito este excerto:

"Vivemos, hoje, num mundo separado em castas incomunicantes, como defendi.

Esta separação não é só simbólica, económica, social ou funcional. No ponto a que chegámos no caminho da desigualdade e do fosso entre desiguais, a separação é hoje, mais do que nunca, uma separação física.

Uma metáfora lúcida desta compartimentação é o condomínio fechado – o locus de uma perfeição artificial, murado, guardado e vigiado por empresas de segurança privada que dão aos seus habitantes a ilusão de poderem continuar a viver sobre os escombros da miséria dos outros, assobiando para o ar como se a responsabilidade dessa bomba-relógio que é o afastamento galopante entre uns e outros não coubesse a todos, como se os miseráveis fossem, mais do que indesejáveis, os únicos culpados dos antros para que são remetido.

O condomínio fechado – o daqueles que “não andam de autocarro”, como diria o Lopes, o dos que acham, afinal, que “sozinho também se está bem” (não só maritalmente mas, estendendo as palavras do Camelo da peça, socialmente também) – é o Muro de Berlim das nossas cidades. É a fronteira que diz onde começa e onde acaba o território dos que nunca se cruzam, dos que defendem a fatalidade da divisão do mundo entre ricos (ilusoriamente ricos) e pobres (definitivamente pobres), entre fortes e fracos, entre sucedidos e falhados.

De um lado do muro, temos aqueles a quem tudo de mal pode acontecer. Trabalham, obedecem, sujeitam-se, demitem-se de pensar e de participar no bem comum, aceitam as migalhas que vêm de cima, prescindem de uma vida própria para se porem ao serviço de quem compra a sua existência a troco de um contrato onde se pode escrever que a um subordinado não é devido respeito pessoal (vd. a conversa de Henriques e Souselas a propósito do “miúdo do Marketing” que vai ser despedido). São, na peça, os que andam de autocarro. São, neste mundo e na nossa cidade, os que vivem nos bairros sociais, os que são levados a pensar que um contrato de trabalho ou férias pagas não são um direito, são um privilégio do passado, são os que todos os dias ouvem o discurso de que se não saem da cepa torta é porque a culpa é deles, que o mundo é assim mesmo e não há nada a fazer.

Do outro lado, temos os que decidem sobre o futuro de todos. São, neste mundo e na nossa cidade, os que vivem nos condomínios fechados, os que não receiam o “reservado o direito de admissão”, os que entram nos centros comerciais sob o olhar amável dos securitas, os que se retiraram já da escola pública, do sistema nacional de saúde, da segurança social, que entregaram o seu futuro à banca privada e aos fundos de investimento, seguros de que nada de errado lhes acontecerá e que a coexistência do fausto com a miséria é desejável, é segura e é sustentável."

Estes encontros fazem toda a diferença.

e eu que até gosto do zig zag

O discurso político perde conteúdo a cada passo. Lembro-me de odiar ouvir as notas do professor marcelo, ainda na tsf, sempre atento à forma e nunca sequer pensando no conteúdo das acções políticas que pontuava. Depois tivemos o sempre presente ministro paulo portas a lançar palavras de confiança e conforto a torto e a direito sem que nunca tenha dito nada de confiança ou capaz de confortar alguém. As palavras vazias chegaram para ficar. Um destes dias num talkshow americano faziam a lista das didascálias ditas pelo bush júnior. E um dos nossos actuais ministros, numa noite de tragédia, disse querer dirigir uma palavra de agradecimento às forças de segurança. Mas não lhes agradeceu.

Hoje, ao fim da tarde, estava a ver os "bonecos" com a Raquel. Aqueles que nos dizem que são de confiança. A certa altura começa uma série nova (pelo menos para mim) sobre figuras históricas. As crianças puderam ver uma casa big brother em que Gandhi luta por fatias de pizza e líderes de todo o mundo fazem guerras de comida na cantina da ONU, uma cerimónia de óscares para filósofos com Kant a implicar com o vestido da companheira, e um grupo de apoio de mulheres famosas em que Martha Washington diz a Joana D'arc que foi casada com o pai do "nosso país". Pelo meio desfilaram nomes de conceitos e datas. Podemos por isso estar descansados.

13 janeiro 2008

Elogios na mudança de ano: penetras, "os melhores do ano" e plágio

Dezembro de 2007, em Aveiro. Apresentávamos o Rei de Inglaterra a grupos organizados de escolas. No início de uma das sessões um professor diz-me: "Aqueles dois não vieram connosco. São de outra escola". E lá vou eu saber de onde apareceu o casal de 15 anos que se meteu na fila de entrada do espectáculo. São de uma escola que não marcou nenhum grupo. Eles estão corados e eu mando-os entrar: "Falamos no fim." Assistem ao espectáculo e à conversa final. Tentam ser discretos, mas o olhar compenetrado logo na primeira fila não passa desapercebido. "No fim falamos". Quando me aproximo, voltam a corar. É bastante óbvio que esperavam poder ver o espectáculo sem pagar os três euros de bilhete e que a denúncia lhes estragou o plano. Eu não sei que faça. Estou tão contente por ter "penetras" num espectáculo para escolas.
E então decido fazer de parva, ou de esquecida. "É só para vos entregar o CD com o dossier do professor, já que não veio nenhum grupo da vossa escola. Até à próxima." Eles pegam na mochila e saem rapidamente com o sorriso cúmplice de quem acabou de roubar um doce.

Fim do ano. Os jornais publicam "os melhores do ano". O Y classifica "O Resto do Mundo" em 5º lugar no ranking dos melhores espectáculos de teatro vistos em Portugal ao longo do ano. Recebo sms de quem viu e de quem não viu.

Janeiro de 2008. Recebo um mail que divulga um audio-walk em Coimbra. "Que engraçado! Um audio-walk!" Começo a ler o material de divulgação. A ficha artística tem as mesmas categorias que nós usámos no "Coma Profundo". O que nós discutimos para chegar àquelas categorias! E olha, a explicação do que é um audio-walk também é parecida com a nossa! E também têm um guia! E o nosso nome não aparece em lado nenhum, nem o da Janet Cardiff! Nem o de referência nenhuma! Olha! Se calhar apareceu-lhes em sonho o Coma Profundo. O Errare ou o trabalho da Janet, não. É pena. Teriam tido mais opções...

Pergunto-me muitas vezes se vivo em redoma. A falar de coisas que não dizem nada a quase ninguém, ouvidas apenas por quem pensa exactamente da mesma maneira, a trabalhar meses numa ideia que morre pouco depois da exposição ao sol. Não é um problema com solução. É simplesmente a vida que escolhi. Esta é uma das angústias de que se constrói. E, inegavelmente, os elogios são uma parte importante na balança.

A lista do Y foi, formal e institucionalmente, o elogio mais importante. Mas o elogio dos penetras, dois desconhecidos com metade da minha idade, foi o maior elogio. Bate até o plágio... porque a irritação provocada pela estupidez apaga inevitavelmente uma boa parte do enorme orgulho de ser referência para outros.

Adenda: o João e o Nuno são mais rápidos do que eu. E alguém os deve ter lido. Reparo agora que as informações do blog são já diferentes das do mail de 4 de Janeiro. Aparece a referência à Janett Cardiff e desapareceu a bonita categoria "documentação geográfica".