15 fevereiro 2011

Comando à distância

Chega agora ao fim na Assembleia da República a revisão da Lei da Televisão. Um processo emblemático de um Partido Socialista que é já governo provisório do PSD. Se dúvidas houvesse, no último dia de votações a bancada do PS absteve-se na votação de uma norma proposta por si, sobre RTP e serviço público, e deixou que o voto contra do PSD chumbasse a sua própria proposta. Ou seja, depois de meses a esbracejar como o grande defensor do serviço público, o PS abandonou as suas propostas e ficámos com uma Lei da Televisão que nem sequer refere a RTP. O PS oferece assim ao PSD a Lei de Televisão que Passos Coelho exige e que abre a porta à privatização do serviço público. Quem se lembra ainda de um manifesto contra a privatização da RTP, subscrito por deputados do PS?

Com esta nova Lei da Televisão, e também com a recente revisão da Lei da Rádio, começa uma nova fase para a Comunicação Social em Portugal, que não promete nada de bom. Com a agudização da concentração da propriedade, a pluralidade é uma miragem cada vez mais distante. Teremos um leque imenso de rádios e televisões a transmitirem exactamente a mesma coisa. E a promessa de diversidade que a introdução de novas tecnologias, como a Televisão Digital Terrestre, oferece é pervertida e instrumentalizada na defesa dos interesses dos grandes grupos económicos que já dominam o mercado.

Mais, a reboque da revisão destas duas leis foi introduzida uma norma que impõe novos e graves limites à autonomia dos jornalistas, ao abrir a porta a uma maior interferência dos operadores nos conteúdos noticiosos. Hoje, a decisão da Prisa, dona da TVI, de suspender o Jornal de Sexta, apresentado por Manuela Moura Guedes, seria legal. Protege-se assim o Bloco Central, que vai alternando mas nunca alterando, das vozes incómodas do futuro. O PSD, que tanto gritou contra a interferência na TVI, na esperança que esteja mais próximo o momento da rotatividade, não desperdiçou a oportunidade. E assim, PS e PSD, vão governando.

Uma última nota, sobre cultura e audiovisual: se na Lei da Rádio foi possível fazer o Partido Socialista recuar, e as propostas do Bloco de Esquerda para a manutenção das quotas de música portuguesa e da música recente foram aprovadas, na Lei da Televisão o PS fechou a porta a todas as alterações de defesa da produção portuguesa e europeia. As quotas indicativas continuam nuns ridículos 10% e não passou sequer a obrigação de integrar uma única obra europeia nos catálogos dos novos serviços de videoclube que a televisão oferece. Começa mal a tão prometida nova legislação para o Cinema.

publicado no esquerda.net

10 fevereiro 2011

Cultura, demissões e responsabilidade

A demissão do presidente do OPART não foi certamente uma decisão fácil e Jorge Salavisa merece todo o apoio e respeito. Publicamente apenas declarou que não tinha condições para continuar no cargo, mas este acto levanta questões políticas que devem ser debatidas. E fica mal a Gabriela Canavilhas fingir que se trata de um assunto pessoal; está em causa um cargo público de nomeação política. A Ministra da Cultura tem de dar explicações.

O Opart é sintoma de uma governação apostada em acabar com as obrigações do Estado na Cultura. Sejamos claros, não é credível projectar ganhos de 1,8 milhões de euros através da integração dos teatros nacionais do Porto e Lisboa na estrutura que já integra o Teatro Nacional São Carlos e a Companhia Nacional de Bailado. Este milagre da subtracção dos pães só aprofunda o declínio: o TNSC passou de um teatro de ópera com afirmação internacional e uma temporada que usufruía plenamente do investimento na única orquestra sinfónica permanente do país, para uma temporada reduzida a menos de um terço da sua capacidade real. E a CNB quase desapareceu.

Na Cultura não é possível fazer mais com menos e o Governo há muito chegou ao fundo do poço do desinvestimento. Em 2009, com um orçamento inicial mais alto e menos cativações do que o previsto para 2011, a execução orçamental do Ministério da Cultura ficou-se pelos 150 milhões de euros (menos do que o Estado gasta por ano em consultadorias!). Em toda a Europa os governos de direita optam por políticas recessivas que atacam também os direitos culturais e as instituições que os garantem. Mas em Portugal já não existe onde cortar. E a Ministra da Cultura, que insiste em insurgir-se contra o sector que tutela, finge que não vê que já nem tem Ministério.

Quando em Novembro o Ministério das Finanças anunciou a fusão dos teatros D. Maria II e S. João no Opart, o Ministério da Cultura limitou-se a assentir. Mas o sector cultural denunciou a irresponsabilidade e no Porto a população organizou protestos públicos. A contestação traduziu-se agora em acção parlamentar: foi aprovada a resolução do Bloco de Esquerda que defende a autonomia dos teatros nacionais. E, porque o PS a viabilizou através da abstenção, a recomendação da Assembleia da República tem significado reforçado: Gabriela Canavilhas não conta já com o apoio do partido que suporta o Governo. Importa por isso perguntar quem segura esta ministra no governo e quem determina esta política de aniquilação das instituições culturais.

publicado no esquerda.net