23 julho 2008

Cansaço...

Acabo de escrever o relatório semestral do Visões Úteis, sem perceber ainda como não explodimos todos - quanta mais pressão, por fazer muito mais do que os meios parecem permitir, aguentamos? - e vou ler as últimas do Público: as declarações do Ministro da Cultura e os números do São Carlos.
Que descubro?
Que há um Teatro Nacional que tem apoio mecenático de um banco e que tem um apoio do Ministério da Cultura equivalente a 278 euros por espectador. O que me parece bem.
Que o Sr. Ministro acha que os agentes culturais devem saber explicar às empresas privadas que são importantes. O que percebo.
O que não percebo é porque é que o Estado não explica isso mesmo aos privados e altera a lei de mecenato para que as instituições e eventos do Estado não sejam os únicos em que o apoio mecenático funciona.
E assusta-me pensar que este Ministro do "com menos se faz mais" ache que criadores com um apoio do Minstério da Cultura de menos de 10 euros por espectador vão ter de arranjar equipas para conversar com os senhores das empresas.
E assim lá vamos todos, perdendo tempo e dinheiro de intermediário em intermediário, de hora de secretaria em hora de secretaria, até não ser de todo possível fazer o que quer que seja de criativo. E sem nunca deixar de elogiar a criatividade.

22 julho 2008

Telerural

É bom. Muito bom. E à primeira vista pode não parecer. É insistir.
Este é um programa local, para gente local dos 8 aos 80.

Terças depois do telejornal na rtp e/ou no site oficial.

turismo de luxo

Atravessar Paris de bicicleta. Viva as Velib.

15 julho 2008

Há 15 anos

felizes para sempre.

Carta à Direcção Geral das Artes


teatro e arte contemporânea

No Visões Úteis ainda nos lembramos bem do DL 272/2003. Porque este diploma foi o último de uma tradição que reservava a designação de “arte contemporânea” para as artes visuais, relegando assim as artes performativas para fora da dimensão do contemporâneo.

E não se pense que a nomenclatura em questão seria um detalhe sem importância. Porque na verdade se trata aqui de uma tradição solidamente enraizada no Ministério da Cultura e que tem aparentemente sobrevivido às mudanças de Institutos e Direcções Gerais.

De facto o estado português encara o teatro de uma forma completamente desfasada da realidade artística contemporânea. Para o estado português o teatro parece continuar a ser um modo de criação umbilicalmente ligado à literatura dramática e à projecção do património imaterial, nacional e da humanidade. O teatro e os processos de criação teatrais contemporâneos surgidos nas últimas décadas do século XX – e que hoje são indiscutíveis na Europa – acabam constantemente secundarizados em Portugal pelas políticas de apoio às artes. Ou pelo menos secundarizados fora de certos círculos restritos.

Por isso é normal que nas actas dos júris dos últimos concursos para apoio sustentado (2005/08) se possa constantemente confirmar a alegria do estado perante os projectos que arrancam – e se encerram – na literatura dramática, e a estranheza perante todos os outros. Os primeiros são aclamados pela segurança com que atiram nomes consagrados a encenar nos anos seguintes. Os últimos são considerados como estando ainda à procura de um rumo, pois não projectam qualquer texto dramático, de preferência já legitimado e até “patrimonializado”.

O estado português está ainda preso a um paradigma de criação teatral do século XIX. Que atravessou o século XX com grande sucesso. E que ainda hoje é responsável pela esmagadora maioria da produção teatral nacional. Mas um paradigma – o do dramaturgo que escreve uma peça de teatro e do encenador que dá a ver o que leu – que definitivamente já foi colocado em causa pelos mais recentes processos de criação teatral.

E no Visões Úteis estamos verdadeiramente cansados deste desfasamento entre a arte contemporânea e o estado. Afinal em 2000 fomos considerados “megalómanos e prolixos” porque o nosso projecto transformava o próprio processo criativo em objecto artístico, ao planearmos uma viagem pela Europa que faria a ponte entre dois espectáculos acerca da própria ideia de viagem. E em 2004 fomos considerados como “ainda em busca da maturidade” por nos recusarmos a apresentar um projecto a quatro anos articulado à volta da ideia: (autor dramático+encenador) X 3 produções por ano X 4 anos.

Não cabe ao estado optar por paradigmas artísticos. O papel do estado é definir os critérios que motivem a sua intervenção correctora da lógica do mercado – e o consequente apoio às artes. E consideramos aqui que o estado português tem, de uma vez por todas, de entrar no século XXI e abandonar a ideia de que o teatro é, antes de mais, uma actividade ligada ao património, através do repertório. O teatro não pode continuar a ser menorizado enquanto actividade criativa contemporânea, actividade que cria hoje o património de amanhã. O teatro não pode continuar a ser votado à formatação do património, do historicismo e da reintegração social. Ao teatro tem de ser permitido um espaço de contemporaneidade – de processos, metodologias, objectos, relações com o público, modos de produção – que possa efectivamente exprimir o nosso mundo, o nosso tempo, e que liberte os criadores da enfadonha e datada função museológica que não podem nem devem aceitar.

Veja-se, por exemplo, que muitos processos criativos contemporâneos, aqueles em que o espectáculo de descobre no próprio processo criativo, precisam de mais tempo do que no modo autor dramático+encenação, porque não se trata agora de revelar o que já existe mas sim de descobrir o que não existe. E por isso não é nada equitativo exigir a quem trabalha num paradigma o mesmo número de novas criações de quem trabalha no outro. E ignorar este problema é condicionar a criação teatral obrigando-a a afastar-se da contemporaneidade e da criação/autoria artística original para ficar presa ao passado e ao repertório

Alertamos então para a necessidade de a nova regulamentação do apoio às artes bem como os respectivos procedimentos, nomeadamente as práticas dos júris, permitirem o desenvolvimento e sustentabilidade dos projectos que apostam em processos de criação teatral contemporâneos. Para que a opção pelos paradigmas artísticos seja dos criadores e não da administração pública. Para que todas as artes sejam contemporâneas. Para que umas não sejam mais contemporâneas do que outras. Porque se não for contemporâneo, pode ser muita coisa, mas não é criação artística.


Uma outra carta, a da PLATEIA, aqui.

O melhor e o pior do teatro em Portugal no Público de hoje

São dois artigos, os dois assinados pela Maria José Oliveira.
No primeiro, sobre o TNDMII, ficamos a saber que o poder político é malcriado, pouco claro e nada transparente.
No segundo, sobre os novos dramaturgos "descobertos" pelos Artistas Unidos, ficamos a saber que quem faz teatro constrói todos os dias uma identidade local aberta ao mundo - a contemporaneidade não é uma importação, é uma construção.

14 julho 2008

12 julho 2008

estágios e enganos

Hoje no Porto, no âmbito da SET - Semana das Escolas de Teatro, há uma conversa sobre o futuro profissional dos alunos destas escolas. O que os espera no final do curso?

Julgo que se conversará sobre saídas profissionais, enquadramento legal do exercício profissional, o que temos agora e aquilo por que temos de lutar ainda. Espero que também se converse sobre a responsabilidade individual nas avanços e recuos colectivos. E espero que se denunciem os engodos sobre as saídas profissionais das escolas.

Nesta cidade (e neste país?) em que, nos últimos tempos, se afirma impunemente e sem qualquer vergonha que o entretenimento é profissional e a arte é amadora (mas militante, claro!), sempre que é preciso meios para algum projecto aparece alguém a oferecer a mão de obra gratuita de alunos. Ou seja, contratar um profissional para fazer o seu trabalho não é possível. Mas usar o trabalho não pago de um aluno é. E tentam convencer-nos de que isto é bom. É dar lugar às novas gerações. O que não se diz é que o lugar só é dado enquanto são estudantes. Quando forem profissionais que cobram pelos seus serviços, serão trocados pela geração dos que têm menos um ou dois anos e ainda estão na escola.

10 julho 2008

Quem tem medo do artista?

Uma história de uso e abuso dos artistas - que se espera que trabalhem sempre sem meios, que aceitem insultos com um encolher de ombros, que sorriam nas salas de visitas e que estejam eternamente agradecidos por os deixarem existir - criou o seguinte mal entendido: ninguém pode dizer a um artista que ele é mau nalguma coisa, porque ele, coitadinho, já passou por tanto. O melhor é arranjar uma trela, assobiar e continuar a tratá-lo mal, mas de forma que ele não perceba.

Quando toda a gente sabia quem eram os artistas era mais fácil: vamos vê-los ali ao café e saber o que andam a tramar. Mas agora estão por todo o lado. Não cabem num só café. Há-os por todo o país. Uma praga. Que fazer? Ah! Reconhecer que o artista é óptimo no seu trabalho, só que é inepto. Temos de o proteger. Ou de nos proteger dele?

No dia 1 de Julho o Público publicava uma notícia em que dizia que a criação artística ia parar três meses porque o Estado só iria pagar os financiamentos em Março. Um atraso de três meses e o artista, burro como ninguém, pára de trabalhar. O médico que gere a sua clínica vai ao banco e tem um esquema de tesouraria que lhe permite gerir o negócio mesmo com os atrasos nos pagamentos das comparticipações do Estado. O artista não. É inepto.
[Ao contrário do que se poderia pensar ao ler a notícia, o que é grave nos atrasos do MC/DGA não é a altura do pagamento. É a menos de seis meses do fim dos actuais contratos, não existir ainda procedimento de concurso para novos contratos nem se saber sequer quais serão os critérios e objectivos a que irão obedecer].

Ontem no Arrastão o Daniel Oliveira escrevia que não percebia porque é que os Teatros Nacionais não eram dirigidos por programadores. Uma opinião não me choca. Mas a dele não é única, tenho a certeza. Chegámos a um estado de coisas em que se considera normal, na relação entre público e arte, vir primeiro o gestor, depois o programador e finalmente o artista. E é assim que o que devia ser sobre arte não tem nada que ver com isso.

Entretanto está para breve a aprovação de um novo decreto lei sobre o financiamento do MC à criação e produção artísticas. Se nada mudar em relação ao que nos foi apresentado, o Estado, com pena dos artistas coitadinhos, retirará qualquer critério quantificável da legislação e retirará toda a importãncia à fiscalização. Depois poderá distribuir umas esmolas a esses ineptos tão queridos, incapazes de prestar contas mas que trabalham com tanta paixão. São tão giros! Assim, ao longe...

do dactilógrafo

que fazer quando tudo arde?

Há muitas coisas a acontecer e a justificarem a úlcera. Tenho-as contornado cuidadosamente só que, por muito que um tipo fuja para muito longe, o futuro há-de caçá-lo mais adiante.

Que podemos fazer quando tudo isto acontece? Assumir que é apenas fenómeno da época e empurrar os amendoins com uns goles de cerveja?

Que fazer quando tudo arde?

Quando a besta anuncia a recandidatura regozijando-se por ter como provável concorrente do PS a Elisa Ferreira – e todos sabemos qual é o lugar do mulherio – falando com a arrogância que se lhe conhece e abomina, usando termos como “esperamos meter mais vereadores” e outras medievalidades?

Quando a besta italiana lança o abjecto POGROM contra os ciganos que vivem no país e a Europa (União Europeia, Estados mas, sobretudo, os cidadãos) se mantém impávida e serena?

Quando os EUA avançam para um escudo anti-míssil a meio do continente europeu como forma elementar de política externa?

Quando a submissão do ensino a tabelas de resultados para OCDE ver é finalmente assumida como desígnio?

Quando a apresentação de um livro da minha vice, pago pela Price Waterhouse Coopers e completamente fora das suas atribuições aqui no tasco, é a razão para ocupar o tempo de trabalho da nossa secretária que, desde ontem, não nos presta qualquer apoio, dado que está atarefada com as questões envolvendo a cerimónia de apresentação da obra da sua chefe?




08 julho 2008

Daqui a cinco meses salvamos a sua família, ou o quer restar dela...

O José António Pinto, assistente social da Junta de Freguesia de Campanhã, mais conhecido por Dr. Pinto, Sr. Pinto ou Chalana pelos moradores dos bairros e amigos, escreveu um artigo de opinião para o Público de 1 de Julho sobre a pobreza e a falta de meios para a combater. Escreve quem sabe.
"Rua da Tristeza, n.º 200
A esquerda socialista, o socialismo democrático do eng.Sócrates, prometeu em 2005 aos portugueses combater o défice, equilibrar as contas públicas e disciplinar as despesas do estado.Primeiro a economia, depois as pessoas? Não.
Como refere Vital Moreira, "sem bom desempenho económico e sem eficiência na gestão pública, não pode haver margem para políticas sociais de esquerda" (PÚBLICO, 13 de Maio de 2008). Políticas sociais de esquerda significa direitos sociais, inclusão social, coesão social, estado social, justiça social.
Todos os dias no terreno e a contactar com aqueles que socialmente são mais desfavorecidos e vulneráveis, o que constato é que a pobreza começa a entranhar-se em famílias e agregados das classes médias baixas. Muitas destas famílias sofrem em silêncio, assistem a uma degradação brutal das suas condições de vida por causa do desemprego, da doença, do endividamento, da subida dos preços de produtos essenciais, das taxas de juro.
Segundo dados do INE, 28% da população activa em Portugal trabalha a prazo e em regime de acentuada precariedade. Quatro em cada dez desempregados não beneficiam de subsídio de desemprego. Trabalhadores pobres e com baixos salários já são maioria no recurso ao RSI. A quantidade de pessoas que receberam mais que uma vez o RSI (Rendimento Social de Inserção) aumentou 50% em 2007. Responsáveis de organizações humanitárias prevêem um quadro de fome em Portugal devido à subida em curso de produtos e bens alimentares. O conselho permanente da Conferência Episcopal Portuguesa e os bispos alertam para o facto de o drama da pobreza e da fome ser cada vez mais evidente.
Perante estes factos que infelizmente correspondem à realidade e não a qualquer tipo de alarmismo, compete ao Estado promover políticas sociais eficazes e consistentes. Entendemos por políticas sociais as acções prosseguidas com vista à realização do bem-estar. No sistema capitalista, as políticas sociais são ferramentas e instrumentos de regulação social. Servem para gerir a desigualdade e a exclusão social provocada pelo próprio capitalismo.
Ora, é na Rua da Alegria n.º 200 que estão sediados os serviços de Acção Social do Centro Distrital da Segurança Social do Porto. Sabem quanto tempo temos de aguardar quando telefonamos para este serviço? 45 minutos. Sabem quantos meses têm de aguardar os utentes para serem atendidos? 5 meses. Sabem quantos processos de acção social estão distribuídos a cada técnica? 150 processos. Sabem quanto tempo demoram os serviços da Rua de Miguel Bombarda a gravar um requerimento de RSI? 4 meses. Sabem quanto tempo é necessário para se disponibilizar um apoio complementar no âmbito do RSI? 5 meses.
Sr. ministro, precisamos de mais recursos económicos e humanos, mais investimento nas questões sociais, melhores condições de trabalho para qualificar e inserir os pobres. Precisamos de combater as causas da pobreza. Portugal está mais injusto e desigual. O nosso país tem hoje os mais elevados níveis de desigualdade na repartição do rendimento e riqueza da UE. Sr. ministro, se nada mudar, o Governo acabará como refere Manuel Carvalho no PÚBLICO (11 de Maio de 2008) por ser visto como o emblema de um país desigual e incapaz de prover o mínimo de bem-estar e dignidade social aos seus cidadãos. E isso paga-se com votos."
Os destaques são meus. Muito obrigada ao Chalana, o nosso grande apoio no terreno em todo o caminho ao resto do mundo, por nos ter enviado o artigo.

Quem não tem inimigos, também não tem amigos

A frase é de um pequeno conto de Ambrose Bierce que usámos nos Estudos.
E vem a propósito da grande ajuda que Manuela Ferreira Leite deu à causa do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Acabo de ouvir que o fórum da TSF de hoje é sobre isto mesmo. E este e só um dos fóruns em que ultimamente se tem discutido a necessidade ou não da alteração legislativa. O primeiro passo para mudar a lei.

06 julho 2008

Política cultural? Isso existe?

Porque será que é tão difícil perceber o que é a responsabilidade política em matéria cultural? Porque é que o Estado se desresponsabiliza constantemente de definir o que é interesse público na política cultural? É um problema de orçamento? É porque não se reconhece importância à cultura na vida do país?

Entenda-se: o Estado pode e deve servir o interesse público com políticas para a cultura sem limitar a liberdade e a criatividade artísticas. Será que os nossos políticos confundem as coisas e, corados de vergonha pelo que lhes passa pela cabeça, varrem tudo para debaixo do tapete e assobiam para o lado?

Na Câmara Municipal do Porto a confusão é tão grande que nem sei por onde começar. Uma coisa é certa: aparentemente quando a autarquia põe os seus meios nas mãos de um privado acha que não decide qual a vida cultural da cidade - entrega a iniciativa a privados. Ou ao privado que por acaso lhe caiu no colo?

No Ministério da Cultura reina a ideia de que há personalidades com mérito para decidir políticas culturais, que não os políticos eleitos para o fazer. Confunde-se o mérito para analisar a qualidade tecnico-artística dos projectos com a responsabilidade de decidir políticas culturais.

Os último executivos ousaram legislar sobre metas e objectivos a serem respeitados pelos agentes financiados pelo Estado. Fizeram muitas asneiras, é certo. Mas se a legislação tinha algum mérito era este: quem lia percebia "ah! para ter o financiamento modelo x preciso de obedecer às condições y, para o modelo z às condições t, e se me financiarem querem que façam n espectáculos, n vezes, que alguém veja se eu fiz e se eu não fizer não volto a ser financiado". Claro que, como os políticos não decidiram fundamentadamente, não analisaram e não discutiram, as regras eram na grande maioria tolas. Umas gerações de criadores tinham finaciamento sem concurso e para outras não havia concursos que lhes valessem, financiamentos muito díspares obrigavam ao mesmo número de espectáculos e apresentações, as assimetrias regionais eram avassaladoras e o desajuste entre as exigências da lei para com os próprios serviços e o orçamento disponível criou situações caricatas um pouco por todo o país.

Neste momento o Minstério da Cultura e a Direcção Geral das Artes estão a alterar o quadro legislativo em vigor. Estão a alterá-lo quando o procedimento de concurso já devia estar a decorrer. Poder-se-ia pensar que isso acontece porque os actuais titulares chegaram agora e estão a emendar o que os anteriores fizeram e se recusaram a alterar. Mas isso não é verdade.
Por um lado porque a legislação em vigor não foi efectivamente criada pelos anteriores titulares: ela era uma mistura entre a legislação do executivo anterior e as recomendações feitas por uma técnica dos serviços já lá vão seis anos (quem se lembra do estudo da Ana Marin?) - enquanto a sociedade civil discutia com os responsáveis políticos eleitos os caminhos a seguir, os políticos, incapazes de se responsabilizar pelas políticas culturais, limitaram-se a adoptar modelos de técnicos que nunca foram eleitos nem nunca debateram publicamente com ninguém as suas ideias.
Por outro lado porque muitas das novidades da legislação em preparação são espelho das preocupações que os criadores e produtores artísticos (e as associações que os representam, muito particularmente a REDE e a PLATEIA) manifestaram aos anteriores titulares - eu ficaria sinceramente contente com esta normalidade de passagem de pasta (que não era regra e, espera-se, passa a ser), não fosse o atraso de todo este processo.
O Ministério da Cultura e a Direcção Geral das Artes perceberam o desajuste entre a legislação e a realidade. Perceberam que no terreno há formas muito díspares de trabalhar e que essa pluralidade é necessária e não pode ser ignorada. O que é bom. Mas depois perceberam também que reconhecer isso podia obrigar a decidir algo de novo em termos de política cultural. E, como sempre, fugiram. Desresponsabilizaram-se. Reconhecem tudo como possível, retiram da lei qualquer ideia de objectivos ou metas quantificáveis e deixam tudo nas mãos das personalidades de mérito que compõe as comissões de apreciação dos concursos. Ou seja, que essas personalidades de mérito cultural ou artístico (mas não político), decidam não só sobre a qualidade técnica e artística dos projectos que se candidatam a financiamento, mas também, de facto, sobre qual o interesse público visado pelo financiamento estatal à criação e produção artística.
Simultaneamente, e contribuindo para a imagem pública negativa dos criadores e produtores financiados pelo Estado - o que interessa a um Estado que sub-financia a arte mas acha que os artistas ficam sempre bem na sala de visitas - desinvestem nos mecanismos de fiscalização. Insultando-nos a todos.

Claro que, no que respeita à legislação em preparação, posso estar a ser simplesmente palerma. A verdade é que ainda não foi aprovada. Ficarei muito contente quando tiver de reconhecer o quão terrivelmente injusta estou a ser neste momento para com os actuais responsáveis.


Adenda: aqui e aqui as posições da PLATEIA em relação legislação em preparação sobre o financiamento do MC/DGartes à criação produção artísticas.

03 julho 2008

Cultura? Eu não rio.

Recuperando um slogan com uns anos, aqui fica um apanhado de alguns dos recentes olhares brilhantes sobre a cultura do nosso querido líder:

- No painel gigante à saída da VCI no Campo Alegre pode ler-se "Ministério da Cultura pressionado publicamente para reprovar remodelação do Mercado do Bolhão". Presumo que esta seja a reacção à acção marcada pela Plataforma de Intervenção Cívica do Porto, marcada para hoje em Lisboa.


- É natural que seja a "Todos ao Palco" a convidar estruturas de criação do Porto para apresentarem propostas para o Pequeno Auditório do Teatro Rivoli (que deixou de ser Rivoli - Teatro Municipal). Não porque a empresa que produz os espectáculos de Filipe La Feria esteja a explorar o teatro - não, isso seria ilegal (só lá está como programação/acolhimento da autarquia) - mas porque esta empresa, ao que parece, conhece melhor o meio de criação artística do Porto do que o Pelouro da Cultura da Câmara Municipal do Porto!
Para quem esteja interessado: há reacções públicas da Plateia e do Visões Úteis ao convite.

- Na apresentação do estudo "A base económica do Porto e o emprego" elaborado pela Faculdade de Economia da Universidade do Porto, as páginas sobre a Capital Cultural foram , naturalmente, ignoradas. Lá podem ler-se coisas como:
"O património cultural do Porto é, provavelmente, um dos seus maiores activos. É rico tanto o seu património material, que a classificação do centro histórico como Património da Humanidade reconhece simbolicamente, como o imaterial que se espelha, nomeadamente, no contributo da cidade para a cultura nacional, nos seus mais variados domínios, das letras ao cinema, do teatro à arquitectura.
[...] o desenvolvimento do capital cultural das cidades, complementando outros investimentos no domínio da qualidade de vida urbana, dá-lhes coerência, potenciando os seus benefícios. [...]
Ora, o ponto que se pretende estabelecer, é que o Porto dispõe de um capital cultural capaz de, em articulação com o potencial de produção de capital humano que o sistema de ensino da cidade oferece, cumprir esta função de impulsionador do desenvolvimento da cidade enquanto espaço de trabalho e de residência. Note-se, aliás, que o Porto dispõe de uma boa oferta de ensino artístico quer ao nível do ensino secundário, quer do ensino superior. Os alunos formados por estas escolas estão na origem de muitas das novas iniciativas que animam a vida cultural da cidade, ainda que por vezes a sua existência seja efémera. Se é certo que uma elevada rotação é uma característica deste tipo de iniciativas (dela dependendo, aliás, alguma da sua valia), também parece ser verdade que muitos dos recursos formados nestas áreas na cidade acabam por a abandonar (sem que outros formados externamente os substituam) por insuficiência/inexistência de estruturas intermédias de produção/acolhimento que alimentem um mercado de trabalho suficientemente dinâmico para garantir estruturas minimamente estáveis, na ausência de fontes de rendimento complementares (tipicamente, nos meios audiovisuais) muito concentradas na região de Lisboa. [...]
Da pouca informação quantitativa sobre a oferta e frequência de actividades culturais no concelho do Porto fica a sensação de alguma sub-utilização da respectiva capacidade de oferta e fruição, isto é, de insuficiente rentabilização do capital cultural acumulado."
o estudo completo no sítio da CMP, descoberto graças aos apontadores da Baixa do Porto