19 setembro 2007

a propósito dos documentos de referência para o Fórum Cultural para a Europa

A “Comunicação sobre uma agenda europeia para a cultura num mundo globalizado” da Comissão das Comunidades Europeias contém uma série de importantes orientações relativas à importância da cultura na construção da Europa. Mas este é um documento genérico, pelo que a sua pertinência tem de ser aferida nas medidas concretas dos orgãos da União Europeia e dos governos dos países membros.

São por isso preocupantes as terríveis lacunas da decisão do parlamento Europeu e do Conselho relativa ao Ano Europeu do Diálogo Intercultural. Desde logo:

  1. não há qualquer referência ao diálogo intergeracional;

sucessivas vagas de gerações que se sentem estrangeiras tanto relativamente à cultura veiculada predominantemente no país que habitam como à cultura veiculada pelos seus pais e avós, e a difícil convivência em múltiplos programas de populações com experiências culturais diferentes, provaram já à exaustão que não é possível diálogo intercultural sem a participação de diferentes gerações e sem diálogo intergeracional;

  1. não há qualquer referência ao multilinguismo;

a língua é uma dimensão essencial da cultura e não é possível diálogo intercultural sem uma aposta séria no multilinguismo dos cidadãos europeus, aposta aliás referida na “Comunicação sobre uma agenda europeia para a cultura num mundo globalizado”

  1. não há qualquer referência à criação artística contemporânea;

o diálogo intercultural só existe verdadeiramente quando produz novos símbolos capazes de ganhar um lugar no património cultural da Europa, pelo que é necessário que também aconteça ao nível da criação artística contemporânea e não apenas da mediação e intercâmbio culturais.

Para além destes três aspectos fundamentais, a definição das medidas a tomar para atingir os objectivos propostos não tem em conta a realidade dos países periféricos e não assegura a realização de acções com efeitos reais no terreno.

Para os cidadãos de países periféricos como Portugal a participação efectiva em programas supranacionais não é tão fácil como para cidadãos de países do centro da Europa. Esta realidade geográfica (mas também económica, uma vez que o fraco poder de compra dos portugueses os inibe de viajar) impossibilita, por uma lado, a participação em programas comunitários e, por outro lado, leva à adesão a programas pensados por outros sem que se tenha contribuído activamente na sua concepção (ou seja, a programas não têm em linha de conta a realidade do país).

De notar ainda que as medidas referidas exigem acções com escala comunitária e não valorizam resultados estruturantes. Corre-se o sério risco de, neste quadro, e mais uma vez, se implementarem programas desenhados por “profissionais das medidas europeias” que nada conhecem do meio (populações, estruturas e profissionais) sobre o qual é suposto actuarem.


Pensando agora a actuação do Governo Português, à luz das orientações da “Comunicação sobre uma agenda europeia para a cultura num mundo globalizado”, é preciso denunciar:

  1. o desinvestimento na cultura

o peso da Cultura no Orçamento de Estado em vindo a diminuir e orçamento do Ministério da Cultura também. A este propósito, é também preciso denunciar que, recentemente, por falta de participação financeira do Ministério da Cultura, Portugal ficou fora da Iberescena (programa iberoamericano de cooperação para o desenvolvimento das artes cénicas);

  1. a falta de comunicação com os profissionais no terreno;

paradigmáticos deste autismo são a recente proposta de estatuto para os profissionais das artes do espectáculo, elaborada em quase secretismo e sem a participação dos profissionais, e a não divulgação junto dos agentes culturais da realização do Fórum Cultural para a Europa (que por sinal até tem lugar em Lisboa e é organizado pelo Ministério da Cultura português!!!).

meter as mãos na massa

Em Portugal os profissionais do espectáculo e do audiovisual não têm qualquer estatuto que regule a sua actividade. Ano após ano Assembleia da República e Governos têm evitado esta matéria, certamente inconscientes da gravidade da situação para os profissionais e do impacto da sua actividade no todo nacional.

Os profissionais do espectáculo e do audiovisual garantem a actividade cultural no todo nacional, uma exigência constitucional de democratização e um factor essencial de desenvolvimento. São ainda essenciais à indústria do entretenimento, estando assim na base de um importantíssimo sector económico (pense-se, por exemplo, nas receitas de publicidade que gera a ficção nacional nas televisões).

Os profissionais do espectáculo e do audiovisual trabalham quase sempre sem contrato de trabalho, sem protecção na doença ou desemprego, e sem qualquer certificação para o exercício da sua profissão. A completa desprotecção destes profissionais é também uma desprotecção dos consumidores. Numa profissão com crescentes exigências técnicas, a desregulamentação da actividade não dá quaisquer garantias de qualidade ou segurança (por exemplo, que garantias há da qualidade da interpretação em produtos didácticos ou da segurança de salas de espectáculos se os actores e técnicos responsáveis não são certificados?).

Desde Junho deste ano estão finalmente em discussão na Assembleia da República propostas de lei do Governo, do PCP e do BE sobre o estatuto destes profissionais. As diversas associações profissionais do sector têm acompanhado este processo e dado os seus contributos para que esta não seja uma oportunidade falhada. A regulamentação de uma actividade tem de ser feita com base na realidade do seu exercício para que possa ser efectiva e duradoura. Só assim tem sentido.

Infelizmente a proposta do Governo, sobre a qual está a trabalhar a Comissão Parlamentar, não foi debatida com os profissionais antes de ser apresentada na Assembleia da República. Talvez por isso aparece mais como uma resposta a problemas que o próprio Estado sente na contratação dos profissionais do espectáculo do que uma verdadeira regulamentação do exercício da profissão.

A insatisfação e desilusão com a forma como o governo geriu este processo até agora não desmotivaram de forma alguma os profissionais do espectáculo e do audiovisual, que continuam empenhados em não deixar escapar esta oportunidade histórica.


da conferência de imprensa da PLATEIA, da GDA e do CIJE

tudo o que foi anunciado, incluindo a criação de uma proposta de lei para a segunça social, aqui

e o meu fel aqui

12 setembro 2007

Profissionalismo

Estou afogada em papéis e praticamente incapaz de sorrir seja com o que for. Valem-me o Nuno e o Guilherme, o que provavelmente só revela o grau do meu desespero. Mas desde que estive numa sala de espectáculos com uma plateia esgotada a rir descontroladamente sem que eu fosse capaz de esboçar o mínimo esgar, alegro-me até com os sorrisos desesperados.

E a propósito, hoje às 15h na Faculdade de Direito da Universidade do Porto à uma sessão de esclarecimento da PLATEIA, da GDA e do CIJE sobre o estatuto dos profissionais do espectáculo e do audiovisual.