27 outubro 2009

Trabalho; prioridade para a Cultura

Aquando da definição da Agenda Europeia para a Cultura, os estados-membros da União Europeia concordaram em basear as suas acções no âmbito da política cultural no conhecimento do terreno. Parece dizer o óbvio mas não é; simplesmente afirmá-lo foi um grande passo. Vamos ver agora se é realmente dado.

Para cumprir o acordado – e um mês após o segundo Fórum Cultural Europeu - o Ministério da Cultura publicou um relatório sobre os Sectores Culturais e Criativos em Portugal em 2000-2006. Com este documento ficamos a saber que os sectores culturais e criativos têm um peso na economia nacional superior ao das indústrias alimentares e de bebidas e que são uma via privilegiada de promoção da qualificação profissional.

É importante cruzar estes dados com os de um outro estudo mais abrangente também publicado este mês: um estudo feito em 2006-2007 pelo Observatório das Actividades Culturais sobre Trabalho e Qualificação nas Actividades Culturais. As conclusões são claras: o trabalho em todos os sectores culturais – artes visuais, património, livro, bibliotecas e arquivos, artes performativas, cinema – é precário, desregulado, desprotegido.

Áreas emblemáticas do desequilíbrio evidenciado pelo cruzamento dos dados destes dois estudos são as do espectáculo e do audiovisual; sectores em crescimento e em que às regalias máximas dos empregadores (completa liberdade de contratação sucessiva a prazo e por curta duração) corresponde a penalização máxima dos trabalhadores (impossibilidade real de acesso a direitos básicos como o subsídio de desemprego).

Há já trinta anos que a necessidade de estatutos profissionais para estes sectores é afirmada pelos sucessivos governos. É muito tempo; é muita a espera. As desculpas têm sido a falta de dados e a falta de organização do sector. Nada disso é agora verdade. Dia 1 de Novembro terá lugar mais uma importante reunião da Plataforma dos Intermitentes, uma plataforma que reúne profissionais, associações e sindicatos. Os profissionais estão prontos. E o governo?


publicado no esquerda.net

11 outubro 2009

Teatro Sá da Bandeira; ou de quantos hotéis precisa uma cidade deserta?


Não sei há quantos anos está à venda o Teatro Sá da Bandeira. Há 15 anos, quando vim trabalhar para o Porto, já estava. Na altura o teatro tentava sobreviver e pagar os salários do pessoal como cinema pornográfico. Mas não fechava a porta às companhias que começavam a dar os primeiros passos e precisavam de sala de ensaios.


Há uns anos, muito com a ajuda do Óscar Branco, que transformou a sala de ensaios improvisada em teatro estúdio, o Teatro Sá da Bandeira ganhou novo fôlego como sala de espectáculos. A dinâmica da sala estúdio estendeu-se à sala principal e o cinema pornográfico foi perdendo terreno para as revistas – que sempre ali habitaram, ora mais ora menos regularmente – e para os concertos.


Mas o novo fôlego de programação não foi, não é, suficiente para a sua requalificação. O teatro continua a degradar-se. E o seu futuro como sala de espectáculos é cada vez mais incerto.


Quando o Coliseu esteve em perigo de se transformar em sala de culto religioso, o Teatro Sá da Bandeira correu o mesmo risco. Agora que o Cinema Águia Douro, fechado e a degradar-se há mais de duas décadas, se está a transformar em hotel, paira também sobre o Teatro Sá da Bandeira a mesma ameaça. Um destes dias - quem sabe se não já amanhã – uma destas ameaças concretiza-se.


O Teatro Sá da Bandeira é um teatro privado com uma situação jurídica complexa; estende-se por todo um quarteirão do coração do Porto e integra uma multiplicidade de espaços. Mas a estrutura da sala de espectáculos mantém-se inalterada; o Teatro Sá da Bandeira que o público hoje conhece é o mesmo teatro do público dos espectáculos de Vasco Morgado e Laura Alves.


É uma sala nobre no coração da cidade, com uma história que a torna parte da identidade da cidade e que ninguém quer perder. É também, pela dimensão, pela arquitectura, pela qualidade do som, um espaço único na cidade. Mas é neste momento uma sala sem projecto e sem meios que se degrada a cada dia. É um problema privado – um negócio privado, um espaço privado – mas também, porque o sentem todos quantos habitam o Porto, um problema público.


E é um problema que não terá solução sem se perceber se a sala tem interesse público; e se sim como se enquadra numa visão global dos equipamentos culturais da cidade. Numa altura em que o teatro musical comercial parece ter sedimentado públicos na cidade - mas com o altíssimo preço de lhe retirar o teatro municipal, espaço de pluralidade e identidade - não será de perguntar se o Teatro Sá da Bandeira não seria o lugar de excelência do negócio privado do teatro de entretenimento? Ou se não será esta a sala de concertos que a dinâmica vida musical alternativa da cidade exige?


Uma coisa parece certa; uma cidade que perde os equipamentos culturais, que despreza os seus criadores e esconde a sua identidade, por muitos hotéis que construa, nunca atrairá ninguém. O caminho que tem sido trilhado, esta planeada degradação do património em nome de um brilhante futuro de negócios privados, constrói a cada dia uma cidade deserta. De quantos hotéis precisa uma cidade fantasma?


Publicado hoje no esquerda.net

A ler

Rui Vieira Nery

1.
Eu prefiro por definição a oferta regular, constante, ao longo do ano, a doses maciças concentradas num determinado período.

2.
Sem dinheiro não se consegue fazer nada. Isso é claramente uma pré-condição.

07 outubro 2009

Porto em ruínas




O Porto degradado em anos sucessivos de abandono pela autarquia. Imagens de Paulo Ricardo , música dos FRICS

O Bloco propõe a este propósito (ler programa autárquico ):

«2) Conceder toda a prioridade à Reabilitação do edificado através do co-financiamento da reabilitação obrigatória das casas desocupadas e degradadas; tomada de posse pela Autarquia das casas não reabilitadas, que serão reconstruídas pela Câmara com apoio do Estado, sendo depois alugadas durante cinco a dez anos, consoante o seu valor, para recuperar o investimento, sendo depois devolvidas aos proprietários com a obrigatoriedade de serem mantidas no mercado; constituição de uma Bolsa de Arrendamento municipal, incluindo todas as casas desocupadas que tiveram intervenção pública, as casas não vendidas há mais de um ano e as que forem propostas para o efeito; agravamento da tributação em IMI da situação de desocupação das casas.»