26 julho 2007

Parolice a quanto obrigas...

Enquanto o primeiro-ministro apresenta o plano tecnológico com crianças contratadas, os meninos do Cerco do Porto estão, em plenas férias, na sala de informática da escola. E não são com certeza caso único.
Mesmo quando a realidade serve "a causa do progresso", o nosso governo prefere o irreal publicitário.

19 julho 2007

Entre a Mitra e o Lagarteiro, a estância de férias

- O meu MIla mais novo é que é um palhaço. Devia era ir fazer novelas.
- Nasceu no Algarve, não foi? Numa férias...
- Qual Algarve? Em Benidorme, que é mais fino.

18 julho 2007

Focar o olhar - Pego Negro

Para lá da estrada, depois do túnel de mato e do casarão abandonado, um pátio de cimento com grades à volta. Gatos por todo o lado. Bate o sol. Ao fundo um tanque. Roupa estendida.
"Querem ver a casa?"
São duas divisões escuras. Lá dentro o cheiro é quase insuportável. Encostada a uma parede fica a banca e algo que pode ser um fogão. Do outro lado, a mesa. Tudo limpo, arrumado. Não há louça suja, não há lixo. Ao lado fica o quarto. A cama feita, a roupa dobrada em cima de uma arca. No chão limpo um bacio com tampa de sanita. Na parede uma mancha imensa de bolor. A humidade engole a casa. Mesmo no centro, o contador da luz.

Focar o olhar - São João de Deus

Está sol e tudo tem um ar sombrio. Cheira a pó. Tudo parece podre, sujo. Mas não há aqui mais lixo na rua do que no resto da cidade. Os miúdos brincam cá fora. Estão lavados, vestidos com roupa limpa. Os adultos que passam por nós também. Todos os olhares são atentos. Furtivos ou não. Ameaçadores ou não. Mas sempre atentos. As casas estão todas velhas, feias, descascadas, riscadas. A toda a volta terra, asfalto velho, mais terra e algum mato. Há vultos cadavéricos aqui e ali. Nem parecem pessoas. Já não parecem deste mundo, diria Conrad.

17 julho 2007

São João de Deus

Já não se percebe sequer onde estavam as casas. A cratera de terra é grande, mas não parece grande suficiente para os blocos de prédios que lá estavam ainda há pouco. Passa um pai adolescente, moreno quase preto, com a filha lourinha e bebé ao colo. Sentem-se olhos por todo o lado. Adolescentes com telemóveis de última geração nas mãoes e sapatilhas de marca nos pés vigiam todos os nossos movimentos. O nosso guia vive aqui há 38 anos. Tantos quantos tem de vida. Nasceu no Hospital Santo António. A casa é logo ali atrás da escola. Os cães vadios ladram e aproximam-se. Mas não nos seguem. Um corpo de mulher escanzelado segura-se a um muro. Quase cai. O prédio é já ali. Um homem de cara chupada e movimentos furtivos corre para dentro de casa com os braços cheios de havaianas. Tem um olhar faminto e desesperado. Por um segundo imaginamo-lo a comer as sandálias. Os miúdos brincam com os cães vadios. Improvisam trelas com cordas. Há asfalto e pó por onde brincar. O prédio está velho, a cair de podre. É feio. Sujo. Tenso. Um casal de idade passeia tranquilamente a neta.

São Pedro de Azevedo II

- Eu trabalhava no Mário Navega. E aquilo não se podia faltar. Os aumentos eram de um tostão ou dois à hora, mas sem faltar nunca.
- Andávamos sempre a perguntar ao encarregado se estava tudo limpo, a ver se nesse ano podíamos ter uns diazitos de férias. Era o amarelo.
- Chamavam-lhe o amarelo.
- Já morreu. Bons tempos.
- Era difícil. Às vezes nem havia o que comer.
- Peixe do rio e dois tostões de pão. Éramos cinco filhos lá em casa.
- Às vezes era ir ver as horas a campanhã e voltar para a fábrica a beber água.
- Bons tempos.
- E eu por causa de dois tostões da hora andava a perder o abono de família. Então um dia vejo o Navega a entrar na fábrica. Eu estava na minha máquina, assim na linha, o encarregado lá na frente.
- Ele nunca nos deixava falar ao patrão.
- Pois. Mas eu vi-o e tinha de ser. Desliguei a máquina - senão ele dizia logo: "já para o seu posto", desliguei a máquina e disse-lhe: Sr. Navega por causa de dois tostões à hora estou a perder no abono de famĺia. Tinha três filhos. Ele só perguntou: qual é o seu número? Não me prometeu nada, não disse nada. Mas no final da semana já recebi o abono. Apontou o número num papel ou numa caixa de fósforos...
- Eu era o 185.
- 253.

São Pedro de Azevedo I

- Eu já tenho 79 anos, somos casados vai fazer 56 anos. Eu vim do Marco de Canaveses.
- Eu sou de Baião.
- Quando vim vim para a Lavoura, mas um dia... embrulhei a roupa num jornal
- É para ver quanta roupa tinha
- E fui-me embora para um irmão que tinha em Gaia e que me arranjou o trabalho na fábrica dos briquetes. Primeiro a acartar carvão, depois de serralheiro e depois de paquete.
- Eu estive na fábrica de sabão.
- Sabe a menina quanto ganhamos? Da pensão? Eu trezentos e poucos euros, ela duzentos e poucos. E ainda temos de pagar a renda, a farmácia. Nunca pedimos nada a ninguém.
- Esta é a nossa casinha. Venha ver. Comprei as minhas coisinhas quando estava a trabalhar, que agora não pode ser, não é?
- Sabe como a gente faz? À noite só come sopa e não fazemos vida de café.
- Aqui estão os meus santinhos, a quem me recomendo.
- A casa não é nossa. É duma doutora.
- Ali é a casa de banho. Veja lá que nem temos casa de banho dentro de casa. As casas antigamente eram assim e olhe. É assim.

12 julho 2007

Um Teatro Municipal é um Palco da Cidade

Todas as cidades têm o direito inalienável a esse palco. O palco onde mostram o que fazem e onde podem ver o que as apaixona. Um teatro municipal é aquele em que toda a cidade tem uma boa razão para se sentar na plateia e conhece alguém que se mostrou em palco.

Um Teatro Municipal tem de ser confuso, complexo e complicado, porque as cidades são confusas, complexas e complicadas. Tem de ter palco para a criação profissional da cidade e para os saraus das escolas, tem de acolher a música experimental e o teatro das estrelas de novela, tem de ter o melhor do bairro e o melhor do mundo. E tem de correr o risco de às vezes dar palco ao que é muito mau para não cometer o erro de fechar a porta ao que é muito bom.

Um Teatro Municipal tem de ser um espaço do direito público da cidade à cultura. O resto são tretas. Quando está a funcionar mal é preciso a coragem de o pôr a funcionar bem. Não se vende e assobia para o lado à espera que ninguém dê por nada.

O direito público à cultura dá muito trabalho. É muito complicado isto de vivermos todos juntos, uns com os outros, a negociar o espaço, o gosto, o futuro. Não basta desenhar umas belas linhas grossas num papel e repetir que assim é que era bonito. É mesmo preciso conversar, discutir, ceder, convencer, ganhar e perder todos os dias.

Descobre o que não pertence a este conjunto

Logo na página de entrada do Instituto das Artes.
E depois tenta encontrar uma justificação para isto.
Eu confesso que não tenho tempo para descobrir, mas será que se pode jogar a este jogo com todos os institutos públicos e direcções-gerais? Aceitam-se apostas.

09 julho 2007

Eu queria era lá chegar sem fumo de escape


Enquanto as super estrelas da música desenham riscos no céu para cantarem nos palcos globais o amor ao planeta, o Rui Rio inspira tubo de escape no "Circuito da Boavista". Aquele que fica numa Avenida sem Metro que transporte toda aquela gente que vive nos bairros entre a Boavista e a Foz. Aquela Avenida que tem ao fundo um parque da cidade onde a cidade não consegue chegar sem mais fumo de tubo de escape.

04 julho 2007

O colarinho está apertado demais

É urgente rebentar numa gargalhada.
As perseguições do governo do país e da cidade são sérias e perigosas. Fazem vítimas todos os dias. Não vale a pena pôr a cara da preocupação. Só aumenta a ameaça. É preciso apontar o ridículo e o mesquinho. E rebentar numa gargalhada.

O Joãocomeçou.