28 fevereiro 2010

Sobre a secção de tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura; a resposta do BE que é também a minha

Em resposta às inúmeras mensagens recebidas relativas à criação de uma secção de tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura, o Bloco de Esquerda afirma a sua completa discordância com esta decisão do Ministério da Cultura.

O Conselho Nacional de Cultura é um órgão consultivo do Ministério da Cultura criado em 2006 e que só agora foi activado. Este conselho prevê secções especializadas nas áreas das bibliotecas, arquivos, direitos de autor e museus. Por decisão da Senhora Ministra da Cultura foram criadas duas novas secções - artes e tauromaquia - respectivamente pelos Despachos n.º 3253/2010 e n.º 3254/2010, de 22 de Fevereiro.

Se a criação de uma secção especializada em artes aparece, neste contexto, como um passo lógico na resposta a uma evidente lacuna, já a criação de uma secção dedicada à tauromaquia não aparece como necessária nem pertinente.

De facto a cultura é um campo vasto, em que se cruza criação e património, tradição e contemporaneidade, numa pluralidade de manifestações e linguagens. Mas a autonomização de uma particular tradição, no contexto do Conselho Nacional de Cultura, parece querer dar-lhe uma centralidade que não só não tem sentido dada a pouca relevância do sector para a generalidade da população, como desrespeita as outras tradições e expressões culturais que não têm o mesmo reconhecimento.

Esta forçada centralidade da tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura aparece ainda como um esforço anacrónico e desprovido de qualquer sentido, que é particularmente incompreensível visto não resultar sequer de nenhuma reivindicação pública do sector.

Aconteceu e podia não ter acontecido: notícias do Ministério da Cultura que parecem saídas do Inimigo Público

Esta foi, no mínimo, uma semana estranha

Segunda-feira: Ministério da Cultura cria secção de tauromaquia no Conselho Nacional de Cultura.

Sexta-feira: Ministério da Cultura anuncia que os museus e monumentos nacionais serão de entrada livre no dia em que o Papa chega a Portugal.

Se fossem notícias do Inimigo Público tinha piada. Assim...

19 fevereiro 2010

Quem esclarece o quê

Começa(/ou) esta semana, na Assembleia da República, uma série de audições na Comissão de Ética, Sociedade e Cultura – comissão que tem a pasta da Comunicação Social – sobre Liberdade de Expressão.

O PSD propôs uma extensa lista de nomes, ligados aos diversos casos que nas últimas semanas têm sido notícia enquanto sintomas das tentativas do Governo de influenciar as linhas editoriais de diversos órgãos de comunicação social.

O PS apresentou também uma proposta, que será votada amanhã, de um outra lista de audições sobre o mesmo tema; esta lista, distanciando-se das notícias recentes, pretende ouvir opiniões sobre questões económicas e laborais relacionadas com a liberdade do exercício da profissão de jornalista.

À Assembleia da República cabe fiscalizar a acção do Governo. E todas as audições propostas podem, por isso, revelar-se pertinentes. Todos os sintomas do problema são importantes; notícias recentes de interferência e problemas estruturais. A Assembleia da República não pode tentar substituir-se ao poder judicial; mas também não pode ignorar responsabilidades políticas concretas de cada momento.

O Bloco de Esquerda propôs a criação de uma comissão de inquérito que investigue a relação do Estado com a comunicação social e, nomeadamente, à actuação do Governo na intervenção da PT para a compra da TVI. Não está aqui em causa a eventual prática de qualquer acto ilegal; essa é uma questão para os tribunais. O que está em causa são actos políticos; mesmo que legais, quaisquer eventuais actos políticos que ponham em causa a independência da comunicação social são politicamente ilegítimos. E esses devem ser investigados pela Assembleia da República.

As audições das próximas semanas correm um duplo risco; a tentação de julgar os tribunais e a tentação de fugir da realidade. Mas podem ter também uma dupla virtude: acordar todos os partidos para a gravidade de problemas como a precariedade laboral dos jornalistas e a sujeição das redacções aos grupos económicos, e preparar o terreno para uma comissão de inquérito clarificadora e que termine finalmente com o insuportável clima de dúvida que se instalou no país.

publicado no esquerda.net

O debate do Orçamento de Estado e o Orçamento do Ministério da Cultura

Não fosse o Bloco de Esquerda, e o José Gusmão, e não se teria falado do orçamento de miséria para a cultura em plenário.



"Quando perguntado sobre que erros reconheceria num balanço do seu mandato anterior, o Primeiro-Ministro mais satisfeito consigo próprio da Europa, num desvario de humildade, reconheceu que devia ter investido mais na Cultura. Com efeito, durante o mandato anterior, a dotação média para a cultura foi de 238 milhões de euros, um orçamento de miséria.
Depois deste momento único da pré-campanha, todos os agentes culturais ficaram na expectativa. Teria o Governo compreendido o papel que a cultura pode ter na qualidade de vida, mas também na criação de emprego e no relançamento da economia? O orçamento de 2010 dá a resposta: 236 milhões. Ou seja, depois da campanha, tudo na mesma."

O Orçamento de Estado e o Orçamento para o Ministério da Cultura

O Orçamento de Estado agora apresentado pelo Governo prevê pouco mais de 230 milhões de euros para o Ministério da Cultura. Ou seja, cerca de 0,4% do OE ou 0,1% do PIB. Mas, pasme-se, no dia seguinte à apresentação do OE não faltaram as notícias que assinalavam o MC como um dos Ministérios com uma subida mais acentuada. A verba total é tão pequena que um aumento de cerca de 20 milhões de euros representa uma subida de quase 13%. Que a aparente subida não nos engane: o MC em 2010 terá um orçamento parecido com o que teve em 2007, mais baixo do que o de 2008.

E se alguém se sente confuso neste jogo de milhões, aqui ficam algumas referências: em 2004, o orçamento do MC, que o PS considerou - e com razão - vergonhoso (e que o levou mesmo a prometer 1% do OE para o MC na campanha eleitoral que se seguiu), representava 0,6% do OE e 0,2% do PIB; os gastos em estudos para o aeroporto que não será – o da OTA – chegariam para pagar quase 3 anos de actividade do MC; e sim, o MC continua a ser, de longe, o Ministério com menos orçamento.

Então, onde pára o prometido investimento em Cultura? Temos os tais 20 milhões a mais para o património, - que não chegam sequer para as intervenções urgentes numa área tão perigosamente subfinanciada nos últimos anos -, e nada mais. Lido o OE, escrutinados mapas e relatórios, fundos e planos de investimento, o mistério permanece.

No dia 1 de Fevereiro, o Primeiro-Ministro desfez o mistério: afirmou que o prometido investimento na Cultura era a construção do Museu de que acabava de “lançar a primeira pedra” (ou mostrar o primeiro tijolo). Que museu é este? É o novo Museu dos Coches, ou o novo espaço para coches, decido pelo ex-Ministro da Economia, Manuel Pinho, sem intervenção do Ministério da Cultura e indesejado pelos responsáveis dos museus. Um museu pago com dinheiros das contrapartidas do Casino de Lisboa – 31 milhões de euros – que não obedece a qualquer lógica museológica ou cultural.

O que este episódio revela é o lado mais escondido deste orçamento para o Ministério da Cultura: confunde-se betão com conteúdo e cultura com outra coisa qualquer; lança-se uma nuvem de projectos e nada se diz sobre programas, estratégias culturais, sustentabilidade e financiamento dos equipamentos.

Temos museus sem pessoal e sem orçamento para pagar despesas correntes, mas o Governo lança novos equipamentos e apresenta novos modelos de gestão como se de um outro país se tratasse. Continuamos sem orçamento para funcionamento ou conservação das colecções, mas a construção não pára, nem para ser planeada. A estratégia é construir o que ninguém sabe como se sustentará, com discursos redondos sobre captação de fundos privados, num país em que os privados nunca assumiram responsabilidades na Cultura e num tempo em que, em todo o mundo, os privados desinvestem no sector.

O que o orçamento do MC para 2010 nos traz é a certeza que nada de fundo se alterará. O que as opções no Ministério da Economia nos dizem é que teremos primeiras pedras e, nos próximos anos, algumas inaugurações e fitas para cortar. E, à medida que os equipamentos, os novos e os resistentes, forem falhando, estrangulados por um crónico e criminoso subfinaciamento, alguém dirá que a Cultura é culpada de não seduzir o mercado.

O método é o de sempre. Dinheiro para construção, nenhum para conteúdos. Pede-se que entendamos todos que nada há a fazer nestes tempos de crise. Enquanto isso, e só na derrapagem de 6 auto-estradas, perdeu-se o equivalente a 5 anos de orçamento do Ministério da Cultura.

publicado no dossier orçamento do esquerda.net

05 fevereiro 2010

A primeira vez

Foi aprovado esta manhã na Assembleia da República o projecto resolução do Bloco de Esquerda que recomenda ao Governo a Criação da Modalidade de Apoio a Primeiras Obras no âmbito dos Apoios Directos às Artes atribuídos pelo Ministério da Cultura. O projecto, que promove o acesso dos jovens criadores aos apoios do Ministério da Cultura, foi aprovado com os votos a favor do BE, PCP e PEV e com as abstenções do PS, PSD e CDS.

Este projecto resolução foi o primeiro diploma na área da Cultura, de qualquer bancada parlamentar, a ir a votação nesta legislatura. Esperemos que as pontes entre os diversos partidos, e que permitiram este resultado, se estendam ao Governo e que esta modalidade de apoios seja uma realidade já nos próximos concursos.

O diploma aprovado hoje foi este.