23 outubro 2008

os apoios directos à criação, o interesse público e os índices de actividade

Há um novo regime de apoio directo do Estado à criação artística. Muitas coisas se podem e devem dizer sobre o regime agora aprovado e o processo que o criou. Farei certamente a minha contribuição mais estruturada com os meus pares.

Mas agora que acabei de ler fiquei com uma impressão estranha no céu da boca. Com o quando se come um dióspiro que parece óptimo e só tarde demais se percebe que ainda está verde. Sabe bem, mas deixa o céu da boca muito áspero...

Os anteriores regulamentos não tinham nada que ver com arte contemporânea. Concebiam a existência barreiras absurdas entre disciplinas artísticas, desconheciam a importância (ou mesmo a existência) de processos de criação e tinham exigências simplesmente burras aplicadas igual e cegamente a entidades com processos criativos e orçamentos completamente díspares.

Ora este novo regulamento parece falar a mesma língua que os criadores. Que bom! Mas depois...

Nada se diz de quantificável sobre as obrigações das entidades apoiadas para com a generalidade da população. Valorizam-se itinerâncias, serviços educativos e outros que tais... mas em que quantidade?

Se é certo que a actividade não é algo de facilmente mensurável, porque objectos diferentes obrigam a processos diferentes, não seria de quantificar como bom (ou como mau) um qualquer tipo de índice de actividade dirigida ao público?

A anterior legislação tentava fazer isto de forma bastante desajeitada e até perigosa: pensando as áreas artísticas como estanques, exigia, por exemplo, que uma companhia de teatro fizesse três produções por ano e um total de noventa apresentações. E isto era exigido a quem tinha cinquenta mil euros de financiamento e a quem tinha seiscentos mil; ou seja demais para uns e pouco para outros e dando um empurrão valente à prepotência dos programadores sobre os primeiros.

Mas o que era realizado de forma estúpida não era necessariamente mau por princípio. A actividade interna - que tem que ver com os processos de criação e não pode ser medida de forma pré-formatada - é avaliada por personalidades de mérito na área quando se julga a qualidade artística do projecto candidato a apoio. Mas a actividade para fora - que directamente implica os públicos que são destinatários finais destes apoios - pode ser medida e comparada tendo como referência valores pré-determinados.

Processos diferentes podem resultar em formas diferentes de contacto com o público e orçamentos diferentes devem obrigar a intensidade diferente de regularidade nesse contacto. O interesse público de democratizar o acesso à cultura, diversificar o contacto com a arte e corrigir assimetrias regionais devia obrigar a que se diga objectivamente que nível de actividade dirigida ao público se espera como retorno do investimento público.

Não estão em causa medidas populistas e desastrosas, do tipo Santana Lopes, que julgam os objectos pelo índice de público e não se importam de desperdiçar dinheiro público em mais do mesmo. Nem os mecanismos de promoção de actividades, que já são avaliados como parte do plano de gestão. Os indíces de actividade dirigida ao público são algo tão simples como perguntar: se eu quiser usufruir do trabalho da entidade Y, financiada pelo Estado com X, posso? E quantas vezes por ano?

19 outubro 2008

Incomodidades e inquietações

1. Na praça onde está o teatro vive um bocadinho de cada canto do mundo. Lá dentro a plateia é praticamente monocromática.

2. Na fachada do teatro há uma esplanada e uma livraria. Rodeamos o teatro pela direita. Primeiro a porta dos artistas, depois as traseiras sem qualquer entrada e, finalmente, na lateral, um restaurante. Se tivermos coragem para o atravessar conseguimos entrar no teatro.

O Teatro é um Teatro Nacional. E nada disto é novidade. Estou sempre a voltar ao mesmo.

14 outubro 2008

Olá! Eu sou a Muna. E tu? Olá! Eu sou o Muna. E tu?


Amanhã às 11h estreamos a versão para a infância e às 21h45 a versão para adultos.
Muna no Teatro Nacional D. Maria II até 26 de Outubro.

"A Lua não brilha? Está avariada, apagada, desligada. Que desilusão! Que grande trambolhão. O número da noite está arruinado e D. Felizmundo desesperado."



ilustração de Júlio Vanzeler

11 outubro 2008

logo à noite na braço de prata


uma das últimas oportunidades (a última?) para ver "O Contrabaixo" na versão cinquenta minutos de monólogo e concerto sem rede com o Pedro Carreira e o João Martins.

"O Contrabaixo" não morre; tem já, só no Visões Úteis, 10 versões. Mas a desta noite é especial.

Hoje, 11 de Outubro, O Contrabaixo às 22h na Fábrica do Braço de Prata em Lisboa.


04 outubro 2008

autonomia roubada

de uma caixa de comentários do dactilógrafio
eu acho que têm impacto (as crónicas, as opiniões, os blogues).
(infelizmente) nos dias que correm, a realidade é feita apenas daquilo que os pachecos pereiras, os danieis oliveiras, os rui tavares e por aí fora deste mundo dizem.
o mundo é aquilo de que se fala e não aquilo que se vê.
a estupefacção e a indignação são-no apenas se algum marcelo rebelo de sousa o transmitem. é como se tivéssemos (enquanto sociedade) perdido a capacidade do raciocínio autónomo.
se numa ditadura "antiga" - nos padrões em que as conhecíamos - teríamos de pedir licença para ter uma opinião, hoje em dia temos de esperar pela opinião destas autoridades para a podermos subscrever...

Do arquivo de A Vida Escrita
que conheci graças ao Enfado
O traço mais característico desta escrita – e não só, é o elo de quase todas as conversas e base de trabalhos, arte e pensamento – trata-se do vigor referencialista. Ninguém avança com uma ideia ou descrição de uma simples sensação pessoal sem estar automaticamente a citar, a aludir, a referir. Ninguém convoca um problema sem usar como pretexto para início ou totalidade da argumentação um filme ou um livro. [...] Sempre a mediação, que faz ganhar eco, à frente, como se tivesse mais valor esse conforto da produção de conhecimento/imagem do que o risco da experiência directa que parece desautorizada de falar por si.

E assim se cria um post sobre autonomia através das palavras de outros. Não por acaso.
Também não por acaso as palavras do dactilógrafo são a propósito do silêncio em torno das fraudes do homem-que-diz-logo-é-verdade-que-é-sério-mesmo-não-sendo.

02 outubro 2008

Sinais de alerta

A arte quase não existe no nosso quotidiano. E a vertigem dos eventos de sucesso cada vez nos afunda mais.
Desta vez a notícia vem do CCB: a Madalena Victorino demitiu-se.
A REDE promove um louvor ao seu trabalho quotidiano e consequente, a que todos se podem associar.

01 outubro 2008

Os sentimentos e a ingenuidade do mercado

Em 8 minutos muitíssimo pedagógicos e acima de tudo brilhantes (pela escrita, pela interpretação, pelo formato, por tudo).



Conheci o vídeo via Arrastão e, com pouco mais que vi entretanto, atrevo-me a dizer que sou fã dos Long Johns (John Bird e John Fortune). Recomendo também esta visão do Iraque e da genialidade de Bush.