29 março 2010



Nos cinemas a 8 de Abril.

Garantir a diversidade não é ser polícia do gosto

Em Janeiro de 2009, Nicolas Sarkozy anuncia em França um conselho para a criação artística, a que ele próprio preside, explicando que este é um tempo de “economia” em que se têm de fazer escolhas “justas”. E, uma vez que na arte grassam os “subsídios”, cabe ao Estado recentrar os apoios na "excelência artística". Sabendo, Nicolas Sarkozy que a criação artística é uma tarefa difícil, como também afirmou, entende que é sua obrigação chamar a si e à Ministra da Cultura a missão de encontrar a “qualidade”, já que, como explica, acabada a época da abundância acaba também a época da diversidade.


A política de Sarkozy choca, mas não espanta. É esta a crueza de alguma direita, a quem nunca interessou a diversidade cultural ou a acessibilidade da oferta artística. O que espanta é que um ano volvido, Gabriela Canavilhas venha dizer exactamente o mesmo na entrevista que concedeu ao Público.


Afirma Gabriela Canavilhas que "o Ministério da Cultura (MC) tem que ter a coragem de diminuir o número de apoios e apostar na qualidade". E explica que é necessário identificar os “projectos meritórios” porque é preferível “apoiar mais e melhor menos intervenientes do que espalhar pouco por muitos, o que leva não a um crescimento sustentado na qualidade mas apenas a ter mais intervenientes no sistema.” E assim, em três ou quatro frases, copiando Sarkozy, a ministra vira do avesso a democracia e decide que ao Estado não cabe criar mecanismos de acesso da população à cultura, à pluralidade, escolha e diversidade. Não, ao Estado, sabemos agora, cabe escolher e decidir o que é bom para todos nós.


Devemos ser claros, utilizar ideias estéticas para definir uma política cultural é utilizar o aparelho estatal para impor uma orientação. O clientelismo do MC resume-se a um problema de escolha política. Face a um cenário de escassos recursos, os sucessivos ministros limitam-se a apostar na manutenção da sua base de legitimação. E é exactamente a recusa em implementar uma política cultural de consequência que permitido, desde sempre, que o MC funcione ao ritmo dos caprichos do responsável do momento.


Que este discurso apareça embrulhado numa pretensa valorização da cultura, que teria agora encontrado o seu lugar ao sol no mercado, não espanta. É o argumento preferido de quem não tem nem quer ter meios para a cultura e que brinca à modernidade enquanto se conforma com a inevitabilidade do estado das coisas. É a desculpabilização de um Governo que reitera promessas de investimento apenas para sistematicamente as quebrar.


Descoberto o impacto do sector cultural na economia, atira-se as responsabilidades para um mercado em crise e incapaz de dar resposta. Um impulso irresponsável de quem recusa perceber que os desafios do desenvolvimento são os da diversidade, participação, pluralidade e conhecimento.



Publicado no Público
(edição impressa, 27 Março)

25 março 2010

Justificar o injustificável

O Ministério da Cultura até agora simplesmente não tinha meios. Agora continua sem meios, mas encontrou uma base ideológica para o justificar. A entrevista da Ministra da Cultura ao Jornal Público aponta um caminho de completa e irresponsável demissão das suas obrigações e desenha opções muito preocupantes. A lembrar outros tempos e na senda das posições mais conservadoras da direita europeia.

A Sr.a Ministra da Cultura, em vez de assumir que não tem condições para actuar com o orçamento de miséria com que conta (0,4% do OE, inferior à media da anterior legislatura), desresponsabiliza-se afirmando que a cultura pode e deve viver do mercado. Reduzir o Estado a uma função de gestor dos desequilíbrios criados pelo mercado é recusar a necessidade de uma política para o Ministério da Cultura. Fazer menos e melhor, como a Sr.a Ministra propõe, é neste caso uma simples fórmula de propaganda e sobrevivência política que nada avança nem recua. E, em vez de defender o financiamento da cultura, ameaçar e insultar os agentes culturais classificando-os de "clientela" e ressuscitando o discurso demagógico da "subsidiodepedência" é pura e simplesmente inaceitável.

Mas a Sr.a Ministra vai ainda mais longe na irresponsabilidade e afirma que ao Estado cabe financiar a "qualidade"; como se acreditasse que existe uma medida única de "qualidade", como se a "qualidade" surgisse isolada e instantaneamente. Em toda a entrevista nada diz sobre a responsabilidade do Estado de promover a pluralidade e diversidade. Pelo contrário, assume que é preciso apoiar menos projectos e chega mesmo a insurgir-se contra o facto de surgirem novos criadores que se candidatam a financiamentos.

É preciso lembrar à Sr.a Ministra da Cultura que a intervenção do Estado no domínio da Cultura é um imperativo constitucional. Imperativo que responde ao direito de toda a população de acesso à cultura, na sua dupla vertente de fruição e promoção. Cabe portanto ao Estado criar as condições de produção que gerarão qualidade(s) com respeito pela diversidade cultural e promovendo o acesso ao património, à arte, à escolha, ao contraditório e ao conhecimento em todo o território.

publicado hoje no esquerda.net

16 março 2010

Chega hoje ao fim o 1º roteiro sobre política cultural

Nos últimos dois meses percorremos o país em sessões públicas sobre política cultural. Hoje, em Lisboa, tem lugar a última sessão pública deste roteiro. Ao longo deste percurso aprendemos muito. E fomos também apresentando propostas legislativas concretas sobre alguns dos temas levantados. Esta última sessão não fecha a conversa, muito pelo contrário. Todos estes encontros marcaram o início de novas conversas, de novas iniciativas. Mas este é sem dúvida um momento de prestar contas do que foi feito e de partilhar os contributos que recebemos.

Parece claro que um dos obstáculos que os agentes culturais encontram é a falta de estratégia por parte das tutelas, governo ou autarquias. Um pouco por todo o território a política cultural é substituída por acções pontuais, sem qualquer programa sustentado que as justifique ou potencie. Confunde-se muitas vezes investimento em cultura com construção de edifícios e inauguração de eventos.

Cultura é tudo o que somos. E ninguém legisla sobre cultura, ou sobre arte. Mas a dimensão e o inesperado do sector não são desculpa para a ausência de política cultural. O papel do Estado é responder ao imperativo constitucional de acesso da população à cultura; ou seja, permitir que e todo o território nacional existam as ferramentas de fruição e promoção de uma pluralidade de manifestações culturais.

Uma das ferramentas essenciais do serviço público em cultura é uma rede de equipamentos culturais espalhados por todo o território: museus, bibliotecas e teatros são os primeiros garantes de democracia cultural. Mas para que estes equipamentos cumpram a sua função têm de ter programas sólidos, em ligação com as comunidades que servem e que se desenvolvam de forma consequente e continuada. O que raramente acontece.

É urgente criar regras de funcionamento claras, sustentadas em modelos de financiamento adequados e que promovam a coesão territorial. Todos os equipamentos de referência do país são inevitavelmente aqueles com maior financiamento público. Uma política cultural terá necessariamente de ser capaz de mobilizar mais recursos para todo o território, mas também de se comprometer com objectivos de longo prazo.

A primeira iniciativa do Bloco de Esquerda que nasce deste roteiro é um projecto-lei que cria a Rede Portuguesa de Teatros e Cine-Teatros. Uma rede que reúne os teatros municipais existentes, prevendo co-financiamento do Ministério da Cultura e que, estabelecendo regras e práticas que garantam condições de serviço público no acesso à cultura das populações que servem - incluindo exigências técnicas, de programação e de autonomia de gestão -, permitirá potenciar recursos, democratizar o acesso às artes do espectáculo, dinamizar a criação no todo do território nacional e criar condições para a circulação da produção nacional e internacional.


publicado hoje no esquerda.net

14 março 2010

Adiar direitos é negar direitos

2010 ainda não será o ano em que os intermitentes do espectáculo e do audiovisual terão direito ao subsídio de desemprego. Mais um orçamento de Estado foi aprovado sem que nada mudasse. E, por força de lei, mesmo que entretanto se consiga aprovar nova legislação sobre a matéria, só poderá entrar em vigor com o orçamento de 2011.

Em 2008 o PS aprovou sozinho uma lei que criava o regime laboral para os profissionais das artes e esquecia a protecção social; remetia a protecção para uma futura lei mais abrangente. O tempo foi passando e nada foi apresentado. 2008 e 2009 foram anos perdidos, com uma lei laboral má e com completa desprotecção social. Aliás, tudo o que a Lei 4/2008 de 7 de Fevereiro tem de potencialmente positivo - a possibilidade de alguns dos profissionais trocarem os falsos recibos verdes por contratos de trabalho - é negado pela ausência de protecção social que faz com que, na prática, ninguém sinta vantagens na troca.

E agora, com o pretexto que a mudança legislativa tem de ser mais ampla e mais debatida, foi chumbada a proposta do Bloco de Esquerda de alteração ao Orçamento de Estado de 2010 que permitiria o acesso destes profissionais a direitos tão básicos como a protecção no desemprego.

O argumento é que existem propostas legislativas sobre esta matéria para serem debatidas. E é verdade: duas propostas do Bloco de Esquerda (uma sobre protecção social e outra sobre regime laboral e certificação) e uma proposta do PS (que optou por juntar regime laboral e social e portanto submeter aos prazos das leis laborais uma protecção social urgente e sempre adiada). Mas a verdade também é que estas propostas, mesmo que sejam aprovadas em tempo recorde, só podem entrar em vigor com o orçamento do próximo ano. Mais um ano à espera, portanto...


publicado hoje no esquerda.net

13 março 2010

Ainda o 8 de Março

Intervenção na AR a propósito do voto de congratulação pelo centenário do Dia Internacional da Mulher:

Este ano comemoramos o centenário do Dia Internacional da Mulher. O Dia Internacional das Mulheres. Esta comemoração é a afirmação da justeza e da essencialidade da luta contra a discriminação de género.

Esta comemoração é também a homenagem a todas as mulheres e homens que lutam contra a desigualdade, que lutam contra a violência dos horários de trabalho desumanos, que lutam contra as condições de trabalho indignas, que lutam contra os salários injustos.

Em cem anos muito mudou no mundo. E algumas batalhas foram sendo ganhas. Mas muito está por fazer. Muito está na mesma. Muito está terrivelmente na mesma.

As mulheres continuam a ser vítimas de discriminação e violência. Em todo o mundo e também em Portugal.

Hoje, como há cem anos, as mulheres estão mais sujeitas à pobreza, a condições de trabalho indignas, a horários desumanos.

Hoje, como há cem anos, as mulheres continuam a ganhar menos por trabalho igual.

As mulheres, que em Portugal vão ganhando a batalha da qualificação, estão hoje ainda, e como há cem anos, em maior risco de desemprego e reféns dos tectos de vidro que as impedem de chegar a posições de chefia.

Hoje, como há cem anos, as mulheres são vítimas de violência doméstica, um fenómeno que assustadoramente permanece e se estende a todas as classes sociais e todas as gerações e que mata. Mata mulheres.

Celebrar o centenário do Dia da Mulher é recusar o esvaziamento de sentido do Dia 8 de Março. É recusar as flores das desculpas, é recusar o discurso oco das diferenças e complementaridades.

Celebrar o centenário Dia Internacional das Mulheres é celebrar a justeza da luta contra a discriminação de género, é recusar um mundo em que um género é norma e o outro acessório, é homenagear todas as mulheres e homens que protagonizam em todos os tempos a luta intransigente por um mundo mais justo.

08 março 2010

Nem se atrevam a dar flores

O Dia Internacional das Mulheres é um dia de luta. Não é um dia para agradecer a metade da população aceitar ser discriminada. Não é um dia para pedir desculpas pela discriminação. Não se pode aceitar. Não se pode desculpar.


Para quem tem dúvidas e acha que nada disto tem sentido: o sítio da UMAR, o dossier do esquerda.net e o texto da Mariana Aiveca.

07 março 2010

O desafio das sessões públicas sobre política cultural

O roteiro está quase a chegar ao fim. Começou no Porto, com agentes culturais do Porto e de Aveiro a 10 de Janeiro. Depois estivemos em Viana do Castelo, Guimarães, Coimbra, Vila Real, Bragança, Covilhã, Guarda, Entroncamento, Santarém, Beja, Faro, Évora e Portalegre. Estou neste momento a caminho de Viseu. Amanhã às 18h será a vez de Leiria e na terça Setúbal. Dia 16 de Março o roteiro encerra em Lisboa, às 18h no Teatro Maria Matos.

O desafio inicial foi este:

Nos últimos 10 anos Portugal assistiu a alterações profundas na dinâmica cultural do país, que não foram, no entanto, acompanhadas do necessário investimento financeiro, nem de corpo legislativo que assegurasse o serviço público que se exige nesta área.

O Bloco de Esquerda assumiu como eixos prioritários na política cultural o acesso das populações à fruição de bens culturais e a meios de produção artística e cultural, a salvaguarda do património cultural material e imaterial, e os direitos laborais dos profissionais do sector cultural.

Estes eixos exigem a tomada de posições, e a elaboração de iniciativas legislativas, relativas a modelos de financiamento da cultura, cartas de missão de equipamentos culturais e estatuto e certificação profissionais.

Para que este percurso ambicioso se faça com conhecimento do terreno e com os contributos dos agentes culturais locais e nacionais, a deputada Catarina Martins, responsável pela área da Cultura na Assembleia da República, irá promover um conjunto de sessões públicas descentralizadas sobre política cultural, percorrendo os vários distritos do país, entre os meses de Janeiro a Março.

Nestas sessões debateremos questões relacionadas com a criação de cartas de missão para os equipamentos culturais, incluindo definição de objectivos de programação, serviços pedagógicos, requisitos técnicos e humanos, contratos-programa de financiamento e concursos para direcção, assim como questões relativas ao equilíbrio entre regulamentação nacional e autonomia local, regulamentação de redes e financiamentos directos e indirectos à criação e difusão artística.

Está ainda a ser lançado um fórum online sobre trabalho e qualificação no sector cultural, que está aberto aos contributos de todos os profissdeionais e interessados nesta área, e é dinamizado pelo Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda.


As sessões têm sido muito participadas; alguns temas foram muito debatidos, outros nem tanto. Muitos novos temas ganharem centralidade. Até 16 de Março continuarei a ser surpreendida. E em breve organizarei os apontamentos destas sessões.

Estudantes por empréstimo

um projecto em curso até 3 de Maio



para acompanhar aqui