27 novembro 2009

IVA: o Governo continua a dizer uma coisa e fazer outra

Hoje o Público volta - e ainda bem - ao problema das cobranças ilegítimas de IVA a artistas. O problema mantém-se; o que significa também que se agrava.

O Ministério das Finanças decidiu um novo entendimento do Código do IVA e decidiu que muitas das prestações de serviços que sempre considerou isentas de IVA afinal pagavam IVA. Não disse nada a ninguém. Não se conhece nenhum documento que fundamente esta alteração. Pura e simplesmente os serviços começaram a exigir a artistas IVA que eles nem sequer tinham cobrado. E que, ao que sabiam, se tivessem cobrado estariam a cometer uma ilegalidade. Ou seja, como o Ministério das Finanças anda baralhado, os artistas passam todos a ser incumpridores. Não há forma de se sair disto.

E enquanto o Governo diz que nada se passa, há artistas a serem perseguidos pela administração fiscal. Uns pagam multas e imposto que nunca sequer cobraram, outros são penhorados. Outros ainda têm cachets congelados porque não sabem como os cobrar; se cobrarem IVA podem ser condenados por cobrança ilegítima, se não cobrarem podem ver-se na situação em que muitos colegas estão hoje.

O Bloco de Esquerda já pediu formalmente esclarecimentos ao Ministério das Finanças. O prazo regimental da resposta acaba dia 5 de Dezembro. Teremos verdadeiras respostas? E os artistas com a casa penhorada, terão resposta a tempo?

24 novembro 2009

"Menina não entra"... mulher morre

A igualdade é igualdade de poder. E ou isso se afirma todos os dias em todos os sítios ou não acontece. Não há poderes iguais teóricos. Só há poderes iguais exercidos. Não existe igualdade em princípio; ou existe ou não existe.

Na sexta-feira a Assembleia da República aprovou – sem os votos do Bloco de Esquerda - as listas de representantes para o Conselho de Estado e para o Conselho Superior de Defesa Nacional. E só indicou homens para os dois órgãos. No Conselho de Estado continuará a existir apenas uma mulher entre 18 homens. O Conselho Superior de Defesa Nacional não tem nenhuma mulher.

Na Assembleia da República a lei das quotas ajudou mas não chega. São 68 deputadas em 230. Na Conferência de Líderes, que reúne o Presidente da Assembleia da República e os líderes das bancadas parlamentares, só há uma mulher. Os 13 presidentes das Comissões Parlamentares são homens.

No Governo são 5 Ministras em 16 Ministérios e 5 Secretárias de Estado num total de 38 Secretarias de Estado.

Todas as principais figuras do Estado são homens: Presidente da República, Presidente da Assembleia da República, Primeiro-Ministro, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Presidente do Tribunal Constitucional, Presidente do Supremo Tribunal Administrativo, Presidente do Tribunal de Contas, Ministros de Estado.

Nas 308 autarquias só há 21 mulheres Presidentes de Câmara: há quatro mulheres Presidentes de Câmara no conjunto das 13 autarquias do Distrito de Setúbal e nas 21 de Santarém; há duas no total das 11 autarquias de Castelo Branco, como nas 15 de Portalegre e nas 16 de Lisboa; há uma Presidente da Câmara nas 10 autarquias do distrito de Viana do Castelo, como nas 12 de Bragança, nas 16 de Faro, nas 17 de Coimbra, nas 18 do Porto e nas 24 de Viseu; no distrito de Aveiro em 19 autarquias não há nenhuma mulher Presidente de Câmara, como não há me nenhuma das 14 autarquias do distrito de Beja, Braga, Évora, Guarda ou Vila Real, nem em nenhuma das 16 autarquias do distrito de Leiria. Nos Açores há uma Presidente de Câmara em 19 autarquias e na Madeira não há nenhuma mulher à frente de nenhuma das 11 câmaras municipais.

Em 2008 foram assassinadas pelos companheiros ou ex-companheiros, pelo menos, 43 mulheres. Até final de Maio de 2009 foram assassinadas 11. Na última semana foram duas.

Amanhã é o Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres. Em Portugal a maior causa de homicídios é a violência doméstica. E mata mulheres. A Assembleia da República – e bem – não deixará de assinalar o dia na próxima sessão plenária. É urgente que faça bem mais do que assinalar.

publicado no esquerda.net

22 novembro 2009

para a Luz

que me pediu para arrumar os argumento sobre porque é que precisamos de sindicato(s):
A Plataforma dos Intermitentes, assim como outras associações formais e informais, tem tido um papel muito importante no diagnóstico e denúncia das condições do exercício das profissões ligadas ao espectáculo e audiovisual.

A pressão política da Plataforma dos Intermitentes enquanto grupo informal é muita e é importante mantê-la; por ter um discurso simultaneamente muito próximo da actualidade e transversal (por agregar técnicos, intérpretes e autores, tanto do espectáculo como do audiovisual) e por não ser previsível do ponto de vista da acção (não tem estatutos nem objectivos definidos e – muito menos – estáticos), consegue uma grande proximidade a problemas concretos e criatividade na abordagem a esses
problemas.

Mas a pressão informal não é suficiente; por muita e constante que seja, não é suficiente para garantir presença nas tomadas de decisão ou o acesso aos tribunais.

E porque é que isso é importante?

1. Para assegurar que se tem voz

As estruturas sindicais são obrigatoriamente ouvidos. A Constituição exige-o. O Código de Trabalho exige-o. Não se pode legislar sobre trabalho e segurança social sem ouvir as estruturas sindicais.

As associações formais ou informais podem ou não ser ouvidas; depende da simpatia, do mediatismo ou de conveniências de calendário. Não há qualquer garantia, não há qualquer protecção.


2. Para assegurar contratação colectiva

A contratação colectiva é o mecanismo por excelência para definição e actualização de carreiras e remunerações. Conquistas básicas, como tabelas de preços que sejam mais do que meramente indicativas, ou uma disciplina de horários que se adeque às diversas actividades mas também respeite os direitos ao descanso e à vida familiar dos profissionais, dependem da capacidade de negociação de estruturas sindicais do sector, em sede de concertação social.

Quando as regras são definidas em concertação social - ou seja, quando, com mediação do governo, os representantes dos profissionais e dos empregadores se reúnem para definir contratos colectivos (o conjunto de regras a que devem obedecer os contratos de trabalho em cada sector) – a regulamentação das relações laborais é feita por quem conhece a realidade do sector. Se tudo fica para o Governo, e para a Assembleia da República, as soluções, se chegarem, serão inevitavelmente tímidas, tardias e pouco concretas, porque, como se tem percebido, serão de reacção à eventual contestação e não de acção sobre o terreno.


3. Para assegurar acesso à justiça

Sem protecção jurídica aos profissionais, a legislação é constantemente atropelada e, por boa que seja, não os protege. Defender judicialmente os direitos de cada profissional, sempre que se verifique um abuso, é a única forma de garantir que todos têm direitos; se, por a justiça ser cara e de difícil acesso, muitos abusos ficarem impunes, o abuso, por não ser sancionado, torna-se regra.

A quotização dos profissionais para uma estrutura sindical assegura a capacidade de contratar advogados que servem todos. Esta é uma forma de solidariedade entre os profissionais que apoia quem necessita de apoio jurídico e que, defendendo os interesses comuns, assegura ao longo do tempo cumprimento da legislação.


Uma plataforma sindical abrangente, como é abrangente a Plataforma dos Intermitentes, não substitui as associações formais e informais que asseguram um debate criativo e vivo sobre estas e muitas outras questões. Mas é um passo essencial para que os profissionais ganhem mais força na defesa dos seus direitos e assumam um papel mais activo na criação de relações laborais saudáveis, que são indispensáveis ao desenvolvimento das artes do espectáculo e do audiovisual.

12 novembro 2009

muro

Em 2001, quando no Visões Úteis nos dedicámos a tentar perceber pela Europa fora quem seria o outro, estivemos em Berlim. No escritório de Libeskind falámos sobre o Muro. O que foi abaixo e o que permanece na nossa cabeça, como a uns 5 centímetros do chão, e onde não paramos de tropeçar.

Ontem a minha estreia no Plenário foi a propósito da congratulação pela Queda do Muro de Berlim. Não falei do viver quotidiano com a história de Libeskind, nem dos muros de Kavafi que se erguem sem que nos apercebamos. Mas de algum modo a minha estreia por aqui foi um pouco em torno do que têm sido as minhas estreias todas em casa. E isso é bom.

05 novembro 2009

nos breves minutos dedicados à cultura no debate do programa do governo

Ficámos a saber que o Sr. Primeiro Ministro está enganado. Acha que o código de segurança social que vai entrar em vigor em 2010 dá direitos aos intermitentes. Não é verdade

O novo código não prevê qualquer protecção social para os trabalhadores intermitentes do espectáculo e do audiovisual. Nesta área continuamos apenas com duas (más) opções: um regime de contrato que se aplica só a uma pequena parte dos profissionais, e que dá direitos de contratação intermitente aos empregadores e nenhuma protecção aos trabalhadores, ou a continuação dos falsos recibos verdes. A insegurança e a incerteza, e o abuso, são totais.

Ficámos também a saber que, como já tínhamos percebido ao ler o programa, para o Governo, e para o PS, o único problema laboral no sector cultural é a desprotecção na doença e na reforma dos profissionais intermitentes. Não é. Então e o desemprego? Então e os outros trabalhadores?

A completa desprotecção dos que são os primeiros agentes da cultura - este "sector económico da maior importância", como o reconhece o governo e já o provaram sucessivos estudos, - não é um problema apenas dos profissionais intermitentes. É um problema em todo o sector cultural. Quem o diz é o observatório das actividades culturais que encontrou completa desregulação, precariedade e falsos recibos verdes, ora claros ora escondidos atrás de incompreensíveis outsourcings, nas bibliotecas, museus, arquivos... em todo o tipo de equipamentos e instituições culturais.

A cultura tem sido a área dos milagres dos decisores e gestores, públicos e privados, que se orgulham de fazer muito com muito pouco. E quem tem pago muito caro todos esses milagres são os profissionais.

A única forma de combater esta situação insustentável, socialmente violenta e que põe em causa qualquer política estruturada para o sector, é ter a coragem de criar verdadeiros estatutos profissionais, que contemplem a protecção social na doença, na reforma e no desemprego, e também a certificação profissional e regimes fiscais claros.

Está o governo disponível para este trabalho, para esta mudança?

Finalmente, o que dizer do tão anunciado aumento do investimento do Estado na Cultura? Tendo em conta os últimos anos, tendo em conta que o orçamento do Ministério da Cultura para este ano não chegou aos 0,4%, o mais baixo desde que o Ministério foi criado, referir simplesmente aumento é muito pouco. Chegaremos ao mínimo de decência de 1% do Orçamento de Estado para o Ministério da Cultura?