A “Comunicação sobre uma agenda europeia para a cultura num mundo globalizado” da Comissão das Comunidades Europeias contém uma série de importantes orientações relativas à importância da cultura na construção da Europa. Mas este é um documento genérico, pelo que a sua pertinência tem de ser aferida nas medidas concretas dos orgãos da União Europeia e dos governos dos países membros.
São por isso preocupantes as terríveis lacunas da decisão do parlamento Europeu e do Conselho relativa ao Ano Europeu do Diálogo Intercultural. Desde logo:
não há qualquer referência ao diálogo intergeracional;
sucessivas vagas de gerações que se sentem estrangeiras tanto relativamente à cultura veiculada predominantemente no país que habitam como à cultura veiculada pelos seus pais e avós, e a difícil convivência em múltiplos programas de populações com experiências culturais diferentes, provaram já à exaustão que não é possível diálogo intercultural sem a participação de diferentes gerações e sem diálogo intergeracional;
não há qualquer referência ao multilinguismo;
a língua é uma dimensão essencial da cultura e não é possível diálogo intercultural sem uma aposta séria no multilinguismo dos cidadãos europeus, aposta aliás referida na “Comunicação sobre uma agenda europeia para a cultura num mundo globalizado”
não há qualquer referência à criação artística contemporânea;
o diálogo intercultural só existe verdadeiramente quando produz novos símbolos capazes de ganhar um lugar no património cultural da Europa, pelo que é necessário que também aconteça ao nível da criação artística contemporânea e não apenas da mediação e intercâmbio culturais.
Para além destes três aspectos fundamentais, a definição das medidas a tomar para atingir os objectivos propostos não tem em conta a realidade dos países periféricos e não assegura a realização de acções com efeitos reais no terreno.
Para os cidadãos de países periféricos como Portugal a participação efectiva em programas supranacionais não é tão fácil como para cidadãos de países do centro da Europa. Esta realidade geográfica (mas também económica, uma vez que o fraco poder de compra dos portugueses os inibe de viajar) impossibilita, por uma lado, a participação em programas comunitários e, por outro lado, leva à adesão a programas pensados por outros sem que se tenha contribuído activamente na sua concepção (ou seja, a programas não têm em linha de conta a realidade do país).
De notar ainda que as medidas referidas exigem acções com escala comunitária e não valorizam resultados estruturantes. Corre-se o sério risco de, neste quadro, e mais uma vez, se implementarem programas desenhados por “profissionais das medidas europeias” que nada conhecem do meio (populações, estruturas e profissionais) sobre o qual é suposto actuarem.
Pensando agora a actuação do Governo Português, à luz das orientações da “Comunicação sobre uma agenda europeia para a cultura num mundo globalizado”, é preciso denunciar:
o desinvestimento na cultura
o peso da Cultura no Orçamento de Estado em vindo a diminuir e orçamento do Ministério da Cultura também. A este propósito, é também preciso denunciar que, recentemente, por falta de participação financeira do Ministério da Cultura, Portugal ficou fora da Iberescena (programa iberoamericano de cooperação para o desenvolvimento das artes cénicas);
a falta de comunicação com os profissionais no terreno;
paradigmáticos deste autismo são a recente proposta de estatuto para os profissionais das artes do espectáculo, elaborada em quase secretismo e sem a participação dos profissionais, e a não divulgação junto dos agentes culturais da realização do Fórum Cultural para a Europa (que por sinal até tem lugar em Lisboa e é organizado pelo Ministério da Cultura português!!!).
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