06 julho 2008

Política cultural? Isso existe?

Porque será que é tão difícil perceber o que é a responsabilidade política em matéria cultural? Porque é que o Estado se desresponsabiliza constantemente de definir o que é interesse público na política cultural? É um problema de orçamento? É porque não se reconhece importância à cultura na vida do país?

Entenda-se: o Estado pode e deve servir o interesse público com políticas para a cultura sem limitar a liberdade e a criatividade artísticas. Será que os nossos políticos confundem as coisas e, corados de vergonha pelo que lhes passa pela cabeça, varrem tudo para debaixo do tapete e assobiam para o lado?

Na Câmara Municipal do Porto a confusão é tão grande que nem sei por onde começar. Uma coisa é certa: aparentemente quando a autarquia põe os seus meios nas mãos de um privado acha que não decide qual a vida cultural da cidade - entrega a iniciativa a privados. Ou ao privado que por acaso lhe caiu no colo?

No Ministério da Cultura reina a ideia de que há personalidades com mérito para decidir políticas culturais, que não os políticos eleitos para o fazer. Confunde-se o mérito para analisar a qualidade tecnico-artística dos projectos com a responsabilidade de decidir políticas culturais.

Os último executivos ousaram legislar sobre metas e objectivos a serem respeitados pelos agentes financiados pelo Estado. Fizeram muitas asneiras, é certo. Mas se a legislação tinha algum mérito era este: quem lia percebia "ah! para ter o financiamento modelo x preciso de obedecer às condições y, para o modelo z às condições t, e se me financiarem querem que façam n espectáculos, n vezes, que alguém veja se eu fiz e se eu não fizer não volto a ser financiado". Claro que, como os políticos não decidiram fundamentadamente, não analisaram e não discutiram, as regras eram na grande maioria tolas. Umas gerações de criadores tinham finaciamento sem concurso e para outras não havia concursos que lhes valessem, financiamentos muito díspares obrigavam ao mesmo número de espectáculos e apresentações, as assimetrias regionais eram avassaladoras e o desajuste entre as exigências da lei para com os próprios serviços e o orçamento disponível criou situações caricatas um pouco por todo o país.

Neste momento o Minstério da Cultura e a Direcção Geral das Artes estão a alterar o quadro legislativo em vigor. Estão a alterá-lo quando o procedimento de concurso já devia estar a decorrer. Poder-se-ia pensar que isso acontece porque os actuais titulares chegaram agora e estão a emendar o que os anteriores fizeram e se recusaram a alterar. Mas isso não é verdade.
Por um lado porque a legislação em vigor não foi efectivamente criada pelos anteriores titulares: ela era uma mistura entre a legislação do executivo anterior e as recomendações feitas por uma técnica dos serviços já lá vão seis anos (quem se lembra do estudo da Ana Marin?) - enquanto a sociedade civil discutia com os responsáveis políticos eleitos os caminhos a seguir, os políticos, incapazes de se responsabilizar pelas políticas culturais, limitaram-se a adoptar modelos de técnicos que nunca foram eleitos nem nunca debateram publicamente com ninguém as suas ideias.
Por outro lado porque muitas das novidades da legislação em preparação são espelho das preocupações que os criadores e produtores artísticos (e as associações que os representam, muito particularmente a REDE e a PLATEIA) manifestaram aos anteriores titulares - eu ficaria sinceramente contente com esta normalidade de passagem de pasta (que não era regra e, espera-se, passa a ser), não fosse o atraso de todo este processo.
O Ministério da Cultura e a Direcção Geral das Artes perceberam o desajuste entre a legislação e a realidade. Perceberam que no terreno há formas muito díspares de trabalhar e que essa pluralidade é necessária e não pode ser ignorada. O que é bom. Mas depois perceberam também que reconhecer isso podia obrigar a decidir algo de novo em termos de política cultural. E, como sempre, fugiram. Desresponsabilizaram-se. Reconhecem tudo como possível, retiram da lei qualquer ideia de objectivos ou metas quantificáveis e deixam tudo nas mãos das personalidades de mérito que compõe as comissões de apreciação dos concursos. Ou seja, que essas personalidades de mérito cultural ou artístico (mas não político), decidam não só sobre a qualidade técnica e artística dos projectos que se candidatam a financiamento, mas também, de facto, sobre qual o interesse público visado pelo financiamento estatal à criação e produção artística.
Simultaneamente, e contribuindo para a imagem pública negativa dos criadores e produtores financiados pelo Estado - o que interessa a um Estado que sub-financia a arte mas acha que os artistas ficam sempre bem na sala de visitas - desinvestem nos mecanismos de fiscalização. Insultando-nos a todos.

Claro que, no que respeita à legislação em preparação, posso estar a ser simplesmente palerma. A verdade é que ainda não foi aprovada. Ficarei muito contente quando tiver de reconhecer o quão terrivelmente injusta estou a ser neste momento para com os actuais responsáveis.


Adenda: aqui e aqui as posições da PLATEIA em relação legislação em preparação sobre o financiamento do MC/DGartes à criação produção artísticas.

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