08 julho 2008

Daqui a cinco meses salvamos a sua família, ou o quer restar dela...

O José António Pinto, assistente social da Junta de Freguesia de Campanhã, mais conhecido por Dr. Pinto, Sr. Pinto ou Chalana pelos moradores dos bairros e amigos, escreveu um artigo de opinião para o Público de 1 de Julho sobre a pobreza e a falta de meios para a combater. Escreve quem sabe.
"Rua da Tristeza, n.º 200
A esquerda socialista, o socialismo democrático do eng.Sócrates, prometeu em 2005 aos portugueses combater o défice, equilibrar as contas públicas e disciplinar as despesas do estado.Primeiro a economia, depois as pessoas? Não.
Como refere Vital Moreira, "sem bom desempenho económico e sem eficiência na gestão pública, não pode haver margem para políticas sociais de esquerda" (PÚBLICO, 13 de Maio de 2008). Políticas sociais de esquerda significa direitos sociais, inclusão social, coesão social, estado social, justiça social.
Todos os dias no terreno e a contactar com aqueles que socialmente são mais desfavorecidos e vulneráveis, o que constato é que a pobreza começa a entranhar-se em famílias e agregados das classes médias baixas. Muitas destas famílias sofrem em silêncio, assistem a uma degradação brutal das suas condições de vida por causa do desemprego, da doença, do endividamento, da subida dos preços de produtos essenciais, das taxas de juro.
Segundo dados do INE, 28% da população activa em Portugal trabalha a prazo e em regime de acentuada precariedade. Quatro em cada dez desempregados não beneficiam de subsídio de desemprego. Trabalhadores pobres e com baixos salários já são maioria no recurso ao RSI. A quantidade de pessoas que receberam mais que uma vez o RSI (Rendimento Social de Inserção) aumentou 50% em 2007. Responsáveis de organizações humanitárias prevêem um quadro de fome em Portugal devido à subida em curso de produtos e bens alimentares. O conselho permanente da Conferência Episcopal Portuguesa e os bispos alertam para o facto de o drama da pobreza e da fome ser cada vez mais evidente.
Perante estes factos que infelizmente correspondem à realidade e não a qualquer tipo de alarmismo, compete ao Estado promover políticas sociais eficazes e consistentes. Entendemos por políticas sociais as acções prosseguidas com vista à realização do bem-estar. No sistema capitalista, as políticas sociais são ferramentas e instrumentos de regulação social. Servem para gerir a desigualdade e a exclusão social provocada pelo próprio capitalismo.
Ora, é na Rua da Alegria n.º 200 que estão sediados os serviços de Acção Social do Centro Distrital da Segurança Social do Porto. Sabem quanto tempo temos de aguardar quando telefonamos para este serviço? 45 minutos. Sabem quantos meses têm de aguardar os utentes para serem atendidos? 5 meses. Sabem quantos processos de acção social estão distribuídos a cada técnica? 150 processos. Sabem quanto tempo demoram os serviços da Rua de Miguel Bombarda a gravar um requerimento de RSI? 4 meses. Sabem quanto tempo é necessário para se disponibilizar um apoio complementar no âmbito do RSI? 5 meses.
Sr. ministro, precisamos de mais recursos económicos e humanos, mais investimento nas questões sociais, melhores condições de trabalho para qualificar e inserir os pobres. Precisamos de combater as causas da pobreza. Portugal está mais injusto e desigual. O nosso país tem hoje os mais elevados níveis de desigualdade na repartição do rendimento e riqueza da UE. Sr. ministro, se nada mudar, o Governo acabará como refere Manuel Carvalho no PÚBLICO (11 de Maio de 2008) por ser visto como o emblema de um país desigual e incapaz de prover o mínimo de bem-estar e dignidade social aos seus cidadãos. E isso paga-se com votos."
Os destaques são meus. Muito obrigada ao Chalana, o nosso grande apoio no terreno em todo o caminho ao resto do mundo, por nos ter enviado o artigo.

2 comentários:

bragança ! disse...

Ficamos a espera de um próximo post que refira a responsabilidade de cada cidadão nos factos alarmantes que apresentas, o que podemos fazer para alterar o rumo dos acontecimentos, a responsabilidade da política (ou o seu papel neste plano).
Cumprimentos.

catarina disse...

Não tenho receitas milagrosas nem grandes certezas. E não sei nada sobre o combate à pobreza, que não saiba alguém que goste de conversar com quem a rodeia. Mas ouso voltar a citar o Chalana: agora não há meios para técnicos que actuem na prevenção, mas depois vai ter de haver dinheiro para mais polícia.
E lembro também que o excessivo formalismo do Estado português não ajuda. Há exércitos de intermediários, que nem conhecem o terreno nem se responsabilizam pelas políticas. O que quer dizer que a comunicação entre quem age e quem decide é mínima. Conversa-se pouco. Como se tivéssemos medo uns dos outros. Ou com se, enquanto não aparecer a solução milagrosa e universal, nada valesse a pena. Na política europeias está agora na moda falar dos micro-projectos e dos projectos locais. Mas é discurso oco. A regra continua a ser o impor soluções globais (europeias ou nacionais) para problemas locais.
É normal que um idoso viva só num T3 de um bairro social e um T1 albergue mais do que uma família? Só porque as regras não permitem a troca e o simples denunciar da situação ridícula pode prejudicar os beneficiários, ou seja, pode obrigar o idoso a mudar para uma casa com renda mais alta e obrigar parte da família do T1 a abandonar a casa sem ter qualquer tecto alternativo? E este é só um dos muitos exemplos com que já me cruzei. Eu, que nem sequer sou assistente social. Imagine-se o que sabe quem está no terreno.