10 julho 2008

Quem tem medo do artista?

Uma história de uso e abuso dos artistas - que se espera que trabalhem sempre sem meios, que aceitem insultos com um encolher de ombros, que sorriam nas salas de visitas e que estejam eternamente agradecidos por os deixarem existir - criou o seguinte mal entendido: ninguém pode dizer a um artista que ele é mau nalguma coisa, porque ele, coitadinho, já passou por tanto. O melhor é arranjar uma trela, assobiar e continuar a tratá-lo mal, mas de forma que ele não perceba.

Quando toda a gente sabia quem eram os artistas era mais fácil: vamos vê-los ali ao café e saber o que andam a tramar. Mas agora estão por todo o lado. Não cabem num só café. Há-os por todo o país. Uma praga. Que fazer? Ah! Reconhecer que o artista é óptimo no seu trabalho, só que é inepto. Temos de o proteger. Ou de nos proteger dele?

No dia 1 de Julho o Público publicava uma notícia em que dizia que a criação artística ia parar três meses porque o Estado só iria pagar os financiamentos em Março. Um atraso de três meses e o artista, burro como ninguém, pára de trabalhar. O médico que gere a sua clínica vai ao banco e tem um esquema de tesouraria que lhe permite gerir o negócio mesmo com os atrasos nos pagamentos das comparticipações do Estado. O artista não. É inepto.
[Ao contrário do que se poderia pensar ao ler a notícia, o que é grave nos atrasos do MC/DGA não é a altura do pagamento. É a menos de seis meses do fim dos actuais contratos, não existir ainda procedimento de concurso para novos contratos nem se saber sequer quais serão os critérios e objectivos a que irão obedecer].

Ontem no Arrastão o Daniel Oliveira escrevia que não percebia porque é que os Teatros Nacionais não eram dirigidos por programadores. Uma opinião não me choca. Mas a dele não é única, tenho a certeza. Chegámos a um estado de coisas em que se considera normal, na relação entre público e arte, vir primeiro o gestor, depois o programador e finalmente o artista. E é assim que o que devia ser sobre arte não tem nada que ver com isso.

Entretanto está para breve a aprovação de um novo decreto lei sobre o financiamento do MC à criação e produção artísticas. Se nada mudar em relação ao que nos foi apresentado, o Estado, com pena dos artistas coitadinhos, retirará qualquer critério quantificável da legislação e retirará toda a importãncia à fiscalização. Depois poderá distribuir umas esmolas a esses ineptos tão queridos, incapazes de prestar contas mas que trabalham com tanta paixão. São tão giros! Assim, ao longe...

Sem comentários: