O discurso político reconhece genericamente a importância da promoção da Cultura para o desenvolvimento do país. Em todas as campanhas eleitorais, de âmbito nacional ou local, multiplicam-se as referências à Cultura e seus agentes. Ainda que sejam claras diferenças na forma de pensar Cultura, a política cultural está presente em todo o discurso político e tem reflexos na organização do Estado: todos os governos têm tido um Ministério da Cultura (desde o primeiro governo liderado por António Guterres) e um número cada vez maior de Câmaras Municipais tem Pelouro da Cultura.
Na verdade, não há uma definição de objectivos estratégicos para o país no campo da política cultural. Mas há preocupações que têm atravessado diferentes governos e que se sentem em muitas autarquias: preservação de património, ligação dos projectos culturais à escola, difusão e produção de eventos. O que não significa a existência de políticas estruturadas sobre estas matérias ou sequer coordenadas entre poder central e local. Na verdade a Cultura é porventura uma das áreas onde é mais nebulosa a partilha de responsabilidades entre governo e autarquias. E é certamente aquela onde o investimento financeiro mais se afasta dos objectivos enunciados. A importância dada à Cultura no discurso político não tem ainda reflexos nas opções orçamentais.
De uma forma geral Ministério da Cultura e autarquias debatem-se com orçamentos escassos e falta de articulação de políticas entre si e com outras áreas tangenciais (desde logo a Educação). Tenta-se assim preservar o património e os equipamentos existentes que mais impacto têm na população, multiplicam-se projectos pilotos nas escolas (que nunca passam à fase seguinte por falta de verbas), pede-se a estruturas privadas que quase sem meios preencham agendas culturais por todo o país, e organizam-se eventos que são ora catalisadores de apostas sempre futuras, ora festas populares, ora meras salas de visita do poder.
No que diz respeito ao teatro, pensar política cultural é pensar simultaneamente em criação contemporânea e divulgação de património, animação cultural e difusão, defesa da língua e internacionalização, formação e profissionalização, educação e consumo, etc..
Para quem cria e produz teatro há duas opções políticas particularmente relevantes nos últimos anos: a construção da rede de Teatros e Cine-Teatros e a consagração em decreto-lei do financiamento estatal à criação e produção artística de iniciativa não governamental.
Estas duas opções devem ser lidas como consequência da obrigação constitucional do Estado de possibilitar o acesso de todos os cidadãos à criação artística. Com a rede de Teatros e Cine-Teatros garante-se a existência de equipamentos para apresentação de espectáculos em todo o território, com o financiamento à criação e produção de iniciativa não governamental garante-se a existência de produção artística diversificada (tanto estetica como territorialmente). Pelo menos parece ser esse o objectivo. No entanto a rede de Teatros e Cine-Teatros não está ainda a operar como se esperaria e muitos dos equipamentos debatem-se com enormes problemas orçamentais. Depois do investimento do poder central nos edifícios falta perceber que investimento estão dispostas a fazer as autarquias no seu funcionamento e que obrigações terá ainda o Ministério da Cultura. Por outro lado também o modelo usado para financiamento à criação e produção artística de iniciativa não governamental está longe de ser consensual. Desde logo, e mais uma vez, porque o orçamento disponível é manifestamente insuficiente para os objectivos a que se propõe. Mas também porque não são claras as fronteiras entre o financiamento a projectos artísticos e a projectos de difusão ou mesmo de animação cultural.
No teatro, como noutras artes do espectáculo, as equipas de criação e produção estão implicadas a todo o tempo em diferentes frentes da política cultural. Tanto património como criação contemporânea são levadas ao público pela produção de espectáculos e os agentes de criação são também agentes de difusão, já que estão sempre em causa apresentações ao vivo. O Ministério da Cultura tenta um equilíbrio entre divulgação de património e criação contemporânea tanto através da lei orgânica dos teatros nacionais como dos critérios para atribuição de financiamento a estruturas privadas. No campo da difusão conta com a rede de Teatros e Cine-Teatros e tem uma política de atribuição de financiamentos a privados que alterna a valorização da qualidade artística com a valorização da capacidade de intervenção junto de públicos normalmente distantes da produção artística. Quanto às autarquias interessa geralmente muito mais o trabalho de difusão do que a criação artística propriamente dita. Há mesmo muitos casos em que há uma clara confusão entre difusão da criação artística e animação cultural.
No que diz respeito à internacionalização o teatro tem sido vítima de um equívoco generalizado que prejudica a implementação de políticas nesta área. Considera-se sempre que a Língua é uma barreira à internacionalização do teatro. Estranhamente não se ouve falar do teatro como meio de defesa e projecção da língua portuguesa. Assim, o teatro pode por vezes viabilizar alguns projectos de internacionalização aproveitando políticas pensadas para outras áreas (dança e artes visuais, ou relações com CPLP e comunidades emigrantes) mas não tem qualquer medida específica ou contacto directo com política para a Língua.
Nos campos da formação e profissionalização não há medidas de política cultural propriamente dita. É o Ministério da Educação que tutela a formação nas áreas artísticas e não existe estatuto ou certificação para os profissionais das artes do espectáculo. O vazio mantém-se quando se fala de ligação entre criação artística e escola ou da promoção do consumo de teatro. Nada existe sobre estas matérias, exceptuando projectos isolados quase sempre da responsabilidade das autarquias. Foi recentemente anunciado pelo Ministério da Cultura que estão a ser desenvolvidas parcerias com outros Ministérios, nomeadamente nas áreas da Educação e do Turismo, que vão permitir intervir nestas áreas.
Nos últimos anos a forma de discutir as políticas culturais para a arte tem sofrido alterações. Há uma maior percepção por parte do público da importância da Arte (ainda que não encontre a devida correspondência no consumo de bens culturais), há muito mais profissionais da arte e, recentemente, no campo das artes do espectáculo, surgiram mesmo associações (como a PLATEIA - Associação de Profissionais das Artes Cénicas e a REDE - Associação de Estruturas para a Dança Contemporânea) que assumem o duplo papel de contestação ao poder político e de construção de pensamento estruturado sobre políticas culturais. Não podemos ainda constatar alterações significativas de política cultural, mas parece inevitável que este novo panorama venha a ter consequências políticas importantes.
A distância entre o discurso político e a prática é ainda grande. É verdade que já se fala de Cultura como factor importante de desenvolvimento económico e social, mas faltam medidas que concretizem o discurso. Aguardam-se ainda políticas culturais estruturantes e de longo prazo que tornem arte e cultura presentes no quotidiano da população. E falta um financiamento sério das políticas culturais, que assuma o investimento em Cultura como tão essencial ao país como o investimento em Educação, Comunicações ou Tecnologia.
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texto publicado na Revista Vinte e Um Por Vinte e Um da ESAP (2006) n.º1 "Onde está o teatro?", comissariada por Jorge Louraço Figueira.
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