14 outubro 2010

Sobre a extinção do Serviço de Belas Artes da Gulbenkian, as responsabilidades do Estado e o Orçamento que aí vem

A declaração política do Bloco de Esquerda hoje na Assembleia da República:

O Serviço de Belas Artes da Fundação Calouste Gulbenkian é responsável pelo mais importante programa de bolsas e apoio à criação artística que temos no país. Em 2009 atribui financiou projectos no valor de 1,9 milhões de euros. Mais do dobro do financiamento distribuído pelo Ministério da Cultura nos apoios pontuais à criação artística. O anúncio do encerramento deste serviço deve por isso preocupar-nos a todos.

Há 4 anos foi extinto o Ballet Gulbenkian e todos sabemos o grave prejuízo que esta extinção significou para criadores e públicos. Durante anos o público português teve contacto regular com a dança contemporânea e os profissionais contaram com uma referência essencial de qualidade e continuidade. Hoje, a dança contemporânea, como a maior parte das expressões artísticas contemporâneas, está condenada ao gueto da invisibilidade e da instabilidade dos apoios circunstanciais. Desperdiçam-se assim os incríveis ganhos em formação de públicos e profissionais que o Ballet Gulbenkian representou.

Culpa certamente de um Ministério da Cultura e de um Governo inaptos e irresponsáveis que, em lugar de assumirem as suas responsabilidades, agravaram o subfinanciamento da dança e fragilizaram a única Companhia Nacional de Bailado, afogada na estrutura obtusa da OPART.

A reflexão sobre o que aconteceu há 4 anos com a extinção do Ballet Gulbenkian chama-nos a atenção para problemas que persistem e convoca especiais responsabilidades ao sermos confrontados com a decisão de encerramento do Serviço de Belas Artes.

A Fundação Calouste Gulbenkian ocupa histórica e meritoriamente um papel estratégico na estruturação cultural da nossa sociedade. Foi através da sua acção que o acesso à literatura e aos hábitos de leitura se generalizaram, que o acesso à produção contemporânea se democratizou e que se tornou possível o surgimento de uma rede artística sustentada e profissionalizada numa altura em que o Estado não cumpria, nem se propunha cumprir, qualquer papel de relevo. É legítimo dizer que não é possível imaginar o que seria o país sem a Gulbenkian.

A decisão com que agora somo confrontados é uma escolha legítima de uma fundação privada. Mas as consequências desta escolha devem ser discutidas publicamente e sem tabus.

A hecatombe que a rede artística nacional sofreu nos últimos dez anos torna hoje este sector, estratégico segundo o programa do governo, e o principal erro da governação de Sócrates, nas sempre efusivas palavras do primeiro-ministro, incapaz de qualquer resposta sustentada à crise.

Não podemos promover o ensino artístico de jovens como meio de qualificação e integração social, abrindo horizontes de possibilidades e vontade de criar a quem não sabia que podia, para depois lhe negar qualquer hipótese de uma carreira profissional. E negar-lhe até o direito a ser público consumidor de cultura. Há algo de profundamente errado num país que aplaude orquestras de jovens violinos e trata os violinistas como párias.

Devemos pois perguntar claramente e publicamente se estruturas centrais para a vida cultural do país como a orquestra e o coro Gulbenkian serão mantidas com uma política de 20, 30, 50 anos, ou deveremos antes esperar uma reavaliação de 3 em 3 anos de toda a sua estrutura e consequente extinção.

Mas devemos sobretudo questionar o Governo sobre as suas responsabilidades e sobre o Orçamento que nos espera. Por toda a Europa o clamor do sector artístico face à crise que enfrentamos é a que o slogan britânico tão bem expressa: cortem-nos, não nos matem.

Mas em Portugal os cortes matam há já vários anos; o desinvestimento crónico mata o sector cultural e o país. Mas é bom lembrar que mais de 2,5% do PIB em Portugal vem da Cultura, um valor vinte vezes superior ao do orçamento do Ministério. Num sector sempre esquecido pelos sucessivos governos, a não ser nas inaugurações com hora marcada para televisão ver, os agentes culturais multiplicam por vinte cada euro investido pelo Estado. Quantos sectores da nossa economia poderão dizer o mesmo?

Na Europa a riqueza gerada pelo sector cultural é superior à gerada pela indústria automóvel. E todos os estudos o comprovam: é na vida cultural activa da população que está a chave para o desenvolvimento – a qualificação.

Exige-se do Governo e do Ministério da Cultura uma resposta que não ignore a importância fulcral do serviço que a Gulbenkian agora pretende extinguir, iniciando imediatamente um processo negocial com a Fundação de forma a garantir que não se estará a pregar mais um prego no caixão em que se tornou a política cultural em Portugal.

Exige-se do Governo que o Orçamento do Estado para 2011 não persista no erro de ignorar a importância estratégica do investimento público em Cultura.

Os desafios que o sector enfrenta obrigam a uma consciência solidária e responsável perante a crise. Que estejamos todos à altura das nossas responsabilidades.




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