04 novembro 2010

OE2011 - Em nome de quê?

intervenção no debate da generalidade da proposta de Orçamento do Estado para 2011



Este Orçamento de Estado responde a um país concreto. Aplica as exigências de entidades que não têm rosto – os mercados financeiros internacionais – mas as suas consequências são sobre pessoas reais. Não é portanto demais lembrar que a crise económica que enfrentamos – a pior dos últimos 80 anos, nas palavras do Primeiro-Ministro – já teve efeitos devastadores sobre as pessoas mais pobres. É então inaceitável que o Governo continue a castigar essas pessoas que são vítimas da crise.

Dizia o Primeiro-Ministro que a pobreza diminui em Portugal. Gigantesco embuste. Hoje, uma em cada quatro crianças vive em situação de carência. Cerca de um terço das pessoas que recebem ajuda do Banco Alimentar contra a Fome são crianças. Quase metade dos beneficiários do Rendimento Social de Inserção é menor de 18 anos. Temos dois milhões e duzentos mil pobres em Portugal e sabemos todos que este número vai aumentar ainda mais no próximo ano: os novos pobres, fruto da crise, são já 400 mil.

Para responder à pobreza, o Governo agrava a pobreza: o novo modelo de cálculo de rendimentos e de capitação – que impôs a conta absurda em que há pessoas que não valem mais de 0,7 de pessoa e uma criança vale meia pessoa – nega já a inúmeras famílias carenciadas o acesso às prestações sociais.

E tudo que o Governo e o PSD têm para dizer a quem mais sofre é que os mercados exigem mais sacrifícios. A solução da crise é, assim, agravar a crise.

Este OE penaliza hoje e cava ainda mais o fosso das desigualdades no futuro. As crianças e jovens carenciados sem direito a acção social escolar e a bolsa de estudo não têm direito básico à educação. Esta política promove o abandono escolar e a desqualificação. Este orçamento desistiu do país.

Os cortes no abono de família já afectam, desde há dois dias, 1 milhão e 383 mil beneficiários. Com as políticas deste governo é um luxo ter filhos e é um risco ser criança.

E dos mais novos aos mais velhos este orçamento penaliza todos os que menos têm. Este é o orçamento do ataque às pensões: 1 milhão e 800 mil pensões congeladas com medicamentos mais caros e aumento dos impostos. Este é o orçamento do ataque aos desempregados e desempregadas com cortes cegos no subsídio de desemprego: 250 mil sem acesso a qualquer apoio, quando se sabe que o risco de pobreza aumentou entre as pessoas em situação de desemprego.

E a pergunta é: para quê? Em nome de quê? Para quê obrigar milhares de estudantes a deixar de o ser, em nome de quê se recusa aos mais pobres acesso a medicamentos, o que se ganha ao desistir dos serviços públicos? Não há neste orçamento nenhuma esperança, nenhuma ideia de futuro. Não há redistribuição, só há penalização dos trabalhadores, dos reformados, dos contribuintes. Não há crescimento, só recessão. O Governo sabe que a sua política recessiva criará mais desemprego e mais pobreza. Quantos mais pobres sairão do acordo PS-PSD?

PS e o PSD uniram-se para exigir sacrifícios a quem menos tem e tudo o que têm para oferecer é mais sacrifícios no futuro. Nenhuma coragem. Toda a prepotência e toda a desistência. É no abono de família, na acção social escolar, no subsídio social de desemprego, no rendimento social de inserção, no complemento solidário para idosos que o Governo espera poupar um quarto do que já gastou à tripa forra no BPN. Mas o BPN vai ficar barato, garantiu ontem o Ministro das Finanças. Sabemos assim que a irresponsabilidade não tem limite. É esta opção cruel que é inaceitável.

Como diria Eça de Queirós, este orçamento não há-de cair porque não é um edifício. Porque é uma nódoa, só pode sair com benzina. O voto contra, em nome da alternativa de um orçamento contra a recessão, e a greve geral unificada de dia 24 são a benzina de que o país precisa.




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