09 dezembro 2010

Eu não Rio

Quando Rui Rio chegou à Câmara do Porto afirmou: nem mais um tostão para a Cultura enquanto existirem bairros degradados. E no mesmo ano cortou os apoios a todos os projectos culturais da cidade e a todas as associações e equipamentos dos bairros sociais. A mentira demagógica era óbvia mas foi colando. Dizia-se (diz-se ainda, como é possível?) que este é um homem sério a pôr as contas da cidade em ordem…

Dos bairros sabemos a história: perseguições aos habitantes, despejos cruéis, autênticas deportações de famílias de um lado para o outro da cidade e os bairros cada vez com menos equipamentos, cada vez mais guetizados, cada vez mais destruídos. Em tempo de eleições pintaram-se algumas fachadas, deixando o interior com pias em vez de chuveiros e a humidade a comê-los. A sensibilidade social de Rui Rio é a mesma dos especuladores imobiliários ávidos dos terrenos do Aleixo com vista para o Douro ou tremendo de excitação com a expulsão dos indesejados dos terrenos em volta dos dois únicos parques verdes da Cidade. Só não vê quem não quer.

E quanto à cultura? Bem, a primeira opção foi silenciar a criação artística da cidade e trocar cultura por entretenimento. Acabaram os apoios aos criadores, mas também a agenda cultural ou o apoio logístico à itinerância. E depois vieram as corridas de carros, com milhões em obras e destruindo até uma futura linha de metro, vieram os aviões malabaristas e os milhões na pista já sem uso e, claro, foi-se o Teatro Municipal. Os agentes culturais avisaram: é um atentado cultural e um negócio ruinoso. A autarquia prepotente impôs-se, o Governo encolheu os ombros.

Hoje a segunda cidade do país não tem Teatro Municipal. Já não tem há vários anos; quem pode chamar teatro municipal, que é por definição a casa de artes da pluralidade que é a cidade, a uma sala de espectáculos refém de musicais anglo-saxónicos dos anos 70? Mas hoje sabemos mais: sabemos que quem gritou bem alto “Eu não Rio” contra a decisão de entregar o Rivoli a Filipe La Feria acertou em todas as suas mais negras previsões. O Rivoli é agora uma sala destruída e a cidade foi saqueada.

Filipe La Feria teve apoios estatais como nenhum criador tem. Ganhou milhões em bilheteiras pré-compradas, arrecadou os patrocínios que eram para a cidade, e teve direito a fazer o que queria – sem pagar um tostão e sem nada preservar (até a concha acústica foi arrancada e apodrece agora em pedaços num armazém!) – num dos imóveis mais caros da cidade. E agora sai, deixa para trás dívidas, um teatro escavacado, uma cidade mais pobre. Mas entendamo-nos: ninguém elegeu La Feria para governar os destinos da cidade. O responsável é Rui Rio.

Rui Rio terá agora de reconhecer o tamanho do seu erro, arrepiar caminho e pedir o apoio dos agentes culturais do Porto. É essencial que o faça. Caso contrário o Rivoli passará a ser mais um edifício devoluto do centro do Porto. O Rivoli – Teatro Municipal precisa de se reerguer, construir uma programação plural, com ligação forte à cidade, desenvolver um serviço educativo, ligar-se em rede aos teatros municipais espalhados por todo o país, ir pouco a pouco refazendo as ligações com os circuitos internacionais. Os agentes culturais da cidade podem não perdoar a Rui Rio a prepotência, o insulto, a irresponsabilidade. Mas nunca abandonaram a cidade. Saiba a autarquia voltar a abrir-lhes a porta do seu palco.


hoje no esquerda.net

3 comentários:

Luis Melo disse...

Logo no primeiro mandato, já lá vão quase 10 anos, Rui Rio assumiu com os portuenses o compromisso de reabilitar a Baixa do Porto. Essa zona da cidade estava deitada ao abandono e com vários edifícios a caír de podre.

Depois de tantos anos e com outros assuntos para pensar as pessoas provavelmente já se esqueceram disso, mas o presidente da CM Porto não. É um homem sério e honesto, um político competente e que cumpre as suas promessas (a excepção que confirma a regra).

Ao contrário do que fariam/fazem outros, Rui Rio criou um modelo assente no investimento privado e não apenas nos dinheiros públicos. Fundou a Sociedade de Reabilitação Urbana, a Porto Vivo e criou um projecto integrado para a Baixa da cidade.

O segundo passo foi a reabilitação das ruas e praças da Baixa, ao mesmo tempo que atraía investidores com um discurso coerente e firme. Muitos criticaram a rejeição do Corte Inglés na Boavista, mas não percebiam que Rui Rio não queria desviar o comércio da baixa.

Se tivesse aceitado fazer mais um centro comercial na zona da Boavista, Rui Rio teria perdido a confiança dos potenciais investidores na baixa. Além do mais, a zona da Boavista já tem, pelo menos dois centros comerciais. Para quê mais um?

Para além disso, a revitalização da Baixa também foi feita ao nível cultural. O renovado Mercado Ferreira Borges tem sido estrela com um programa recheado de eventos de nível. Até os jovens voltaram à Baixa para a nova animação nocturna.

Rui Rio continua a ser um exemplo, e o melhor político português. Talvez seja ele “o tal” que tantos desejam para salvar Portugal desta crise profunda. Mas para isso é preciso que o povo esteja disposto a mudar de vida, e o queira eleger.

catarina disse...

Caro Luís Melo, devo dizer-lhe que o o que escreve - muito embora respeite a sua opinião e acredite que escreva com sinceridade - é de facto negado por todos os indicadores. O Porto é uma cidade cada vez com menos gente; é uma cidade a morrer. Aconselho a leitura deste texto de José Castro, publicado por Tiago Azevedo Fernandes no blog A Baixa do Porto: http://www.porto.taf.net/dp/node/7439

R. Vieira disse...

Não posso deixar de concordar com a Catarina, que aproveito para saudar (trocamos breves palavras durante uma iniciativa em defesa da Linha do Tua).

O Porto que conheci nos meus tempos de estudante do ensino superior, deixou de existir. Foi substituído por um moribundo que vai teimando, cada vez mais frouxamente, em agarrar-se à vida que se lhe escapa. Este domingo, a propósito das eleições, pude constatar, uma vez mais, algo que ninguém no seu perfeito juízo pode negar: vi mais idosos e malta de meia-idade entradota a dirigir-se às mesas de voto do que jovens. Quer isto dizer que os jovens terão preferido abster-se? Não creio que a abstenção destas presidenciais tenha ficado circunscrita a determinados patamares etários, antes pelo contrário. O que constatei, isso sim, é que o Porto está cada vez mais esvaziado de moradores jovens e de meia idade; muitos mudaram-se para as periferias (conheço pessoalmente vários casos). Vão ficando os velhos e os pobres (em muitos casos uns e outros são os mesmos...) e, claro, os endinheirados que vivem em bolsas de ricos. O rosto visível da cidade espelha uma profunda tristeza que dificilmente conseguiremos inverter nos tempos mais próximos.
Um abraço,

R. Vieira

P.S. Caro Luís Melo, com o devido respeito, apenas um apontamento a propósito do que escreveu no primeiro parágrafo do seu "post": o Porto não é só a baixa, como todos sabemos, e a verdade é que neste momento a cidade é já referida como a "capital ibérica da casa devoluta". A situação tende a pior ano após ano devido ao êxodo populacional sofrido a favor dos aglomerados urbanos da periferia.