06 novembro 2006

Que bom é ser enfant terrible num país arrumadinho e palerminha

Como é bom ser enfant terrible num país arrumadinho e palerminh

Sobre a ocupação do Rivoli muito se tem escrito. E ainda bem! O José Pacheco Pereira, defensor incondicional de Rui Rio, é autor de uma crónica aparentemente disparatada que suscitou inúmeras respostas. Mais uma vez, ainda bem! Mas os disparates mais graves de José Pacheco Pereira, e de tantos outros - a “vizinha” Helena Matos, os “anónimos” dos vários blogs sobre o assunto, a inenarrável Culturporto -, não são de agora e continuam sem resposta.


O crime de quem faz arte profissional é aparentemente o ser subsidiado. Crime de tal forma grave que deveria envergonhar ao ponto de calar. Num país com tantos problemas como se atrevem estes inúteis parasitas a falar?

A minha pergunta é: alguém sabe o que são estes subsídios? Presumo que se refiram vagamente a um concurso do Instituto das Artes. Pois eu tenho uma novidade. Esta é só uma das formas que o Estado utiliza para financiar a criação artística profissional. Tanto o Estado central como as autarquias sustentam teatros que têm produção própria ou compram espectáculos (menos o Porto, claro! O Rui Rio nunca alimentaria tais desvarios). Chegam mesmo a encomendar obras ou a comprar bilhetes (tem piada, isto o Rui Rio até já fez!!!!). E o desperdício não pára aqui. O Estado até paga viagens para a internacionalização dos parasitas, dá-lhes bolsas, compra-lhes livros, e eu sei lá mais o quê. Terrível! Ao que parece na Ciência é a mesma coisa. Pagam a investigadores para escreverem teses lidas por menos de 30 pessoas!

O José Pacheco Pereira sabe, e a Helena Matos provavelmente também, que os orçamentos para a Cultura são sempre confrangedoramente baixos. E que a percentagem desses orçamentos que chega aos criadores é mínima. Mas muitos dos “anónimos” não sabem e os ilustres cronistas gostam de alimentar a ignorância. E porquê? Será porque o defeito de que acusam os “subsidiados” – a dependência do poder politico – é o que mais lhes agrada?

Em Portugal o Estado chama a si a responsabilidade de viabilizar um sem número de actividades, por controlo directo ou financiando privados. Porque é que custa mais aceitar o financiamento a artistas profissionais do que a escolas privadas? Porque é que é mais grave prosseguir interesse público distorcendo mercado na Cultura do que na Agricultura? E porque é que os criadores são parasitas? Porque não cidadãos que pagam impostos como tantos outros e que geram emprego nas estruturas que lideram?


O segundo crime é a ligação a estruturas partidárias. José Pacheco Pereira chama-lhe a “Rivolução” do Bloco de Esquerda. Rui Rio já há muito que acha que toda a contestação à sua acção é coisa do BE. O BE com certeza agradece o elogio. Mas todos sabemos que não é verdade. Associar a contestação ao BE é uma forma de a desvalorizar. Afirma-se que é obra de um “partido pequeno” – logo representa pouca gente. Mas mais do que isso é um partido. Essa coisa horrível! Fujam dos partidos, todos! Os partidos estão no poder, mas devemos todos evitá-los. Vamos deixar que eles decidam a seu bel-prazer nos órgãos de soberania enquanto desabafamos “eles querem é tacho!” na paragem de autocarro.

Enquanto elemento da Plateia, Associação de Profissionais das Artes Cénicas que apoiou activamente os ocupantes do Rivoli, reclamei a participação do BE, do PCP e do PS – os três partidos que se solidarizaram com esta acção – tanto na procura de uma solução política como na resolução de problemas logísticos. Os partidos associam-se àquilo que bem entendem e os cidadãos reclamam acção das estruturas partidárias. Não há aqui nenhuma ingenuidade, mas também nenhuma demissão.

E já agora, para que se saiba: na primeira concentração de contestação à privatização do Rivoli também estavam presentes elementos do PSD e do PP.


E finalmente o Porto! Essa leviandade de querer ser centro de alguma coisa. Num país pobre como o nosso há lá lugar para mais que um pólo. Já é difícil ter uma Capital minimamente civilizada. Felizmente temos agora um Presidente da Câmara que põe o Porto no seu lugar. Que sentido pode fazer investir em arte e cultura numa das regiões mais pobres do país? O Norte já tem desempregados e Ferraris. Chega bem. Volta e meia podemos ir a Serralves (que sorte!). E se tivermos tempo aproveitamos para passear brevemente na Ribeira e reencontrarmos a genuinidade portuguesa no desprendimento com que o bom tripeiro cospe no empedrado do Património Mundial. Isto sim é Portugal!

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texto publicado hoje no jornal PÚBLICO

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