26 março 2008

ainda o discurso de Obama

fiz um comentário a um post do João que decidi transformar em post, já que explica em parte o meu post anterior (estou a gostar de usar a palavra post tantas vezes neste post). Aqui fica:

Não me parece que o discurso do Obama dê uma explicação racial para a pobreza. Analisa essa questão, que é parte integrante da questão da pobreza. E fá-lo por causa do escândalo, é certo. Mas o que me parece mais importante no discurso é expor as causas das desconfianças mútuas. Falar abertamente é essencial para permitir aos pobres serem agentes das políticas de combate à pobreza. Nos últimos tempos tenho tido algum contacto com população de bairros socias complicados. Garanto-te que precisávamos de um discurso destes adaptado à nossa realidade. Temos, na pobreza e limiar da pobreza, trabalhadores com salários insultuosos e beneficiários de rendimento social de inserção que se olham mutuamente com desconfiança. E temos também tensões raciais, ainda que diferentes e com outras causas - e igualmente a precisarem de que se fale delas de forma séria. Pior ainda, temos técnicos no terreno que olham os pobres com desconfiança. E temos paternalismo a mais.

O discurso do Obama tem ainda um outro mérito muito importante: percebe-se. Não exige determinada escolaridade ou vida intelectual dos interlocutores. Sem ser simplista é simples. As elites portuguesas adoram ser crípticas para a maior parte da população. Mais importante do que discutir uma ideia é mostrar que se tem eventualmente uma grande ideia. De preferência escondida numa frase do tamanho de um parágrafo, cheio de referências a outros e ao próprio, com uma construção e um vocabulário dignos da melhor literatura do século XIX. Não há pachorra.


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