13 março 2008

Legendas vs dobragens

Acabo de ouvir o Herman José no Corredor do Poder explicar que quando em todos os países se dobravam filmes, o regime fascista português optou pelas legendas para poder manipular melhor a informação. Para suavizar conteúdos.
Confesso que não fazia ideia. Nem nunca tinha pensado nisso. Eu, que leio depressa, percebo bem as duas ou três línguas em que são falados quase todos os filmes e programas de televisão que vejo, sou fã de legendas. E sempre pensei que a razão para termos legendas e não dobragens era o facto de a decisão ter estado sempre em pessoas, deste ponto de vista, parecidas comigo.
Independentemente das razões históricas para termos legendas e não dobragens, em tudo o que se destina a maiores de 6 ou 7 anos, faz-me impressão o aparente esmagador consenso sobre esta matéria.
Eu não tenho grandes certezas. Durante muito tempo acreditei piamente na superioridade das legendas. A única forma de respeitar o todo do objecto artístico, de poder usufruir do trabalho dos actores na sua totalidade. E, ainda por cima, fantástico para aprender as diferentes línguas e a sua sonoridade.
Agora dou por mim a pensar se ter legendas em vez de dobragens não impede efectivamente que um grande número de pessoas usufrua de um grande número de objectos. Enquanto eu me deleito com o West Wing, com as suas legendas avassaladoramente rápidas, uma grande maioria dos meus concidadãos é forçado à idiotice das novelas da TVI e outros que tais. E mesmo que as novelas fossem/sejam bem escritas, a verdade é que a desigualdade do universo das escolhas é tremenda. Claro que a mera ideia de ver a voz do John Spencer dobrada me enjoa. Mas será isso o mais importante? Por muito que me custe, não seria melhor aprender a usufruir do trabalho de dois actores (o original e o que o dobra)? A imagem original é livre de legendas.
E quanto às línguas... Quem não vê filmes com legendas não as aprende. Uma boa dobragem pode até ter vantagens do ponto de vista da língua materna. Ou não?
Não sei. Mas sei acima de tudo que isto devia ser discutido. Acho que não é por arrogância de alguns e indiferença de muitos. E, como todos os sintomas de fosso, inquieta-me.
E, já agora, o mínimo era que os contratos de edição de filmes e séries fossem cumpridos. E tivessem todos a opção legendas ou dobragem. Como estipulado mas nunca cumprido.

2 comentários:

Anónimo disse...

os meus camaradas espanhóis e italianos (desconheço as motivações alemãs) dizem-me que a opção dobragem nos seus países decorreu de um factor principal: a unificação pela língua.
mesmo não sendo profundos conhecedores das histórias de cada um dos países, diria que tem alguma lógica.
por outro lado, o nível elevadíssimo de analfabetismo até boa parte do séc. xx, justificaria essa opção face às legendas.
nos tempos que correm, dizem que as dobragens apenas se mantêm por força do "lobby" dos actores que as fazem. parece que é um sector de actividade bastante consolidado e forte. há actores que se especializaram a fazer as vozes de determinados tipos - e esta é a parte que mais me agrada: pensar na história de alguém que, de algum modo, veste o outro durante uma vida profissional inteira.
penso que os baixos índices de leitura que por cá se verificam não justificam a preferência por novelas faladas em português face a produtos legendados.
é tudo uma questão de prime times, educação, hábitos, ofertas, etc.
continuo fervoroso adepto dos originais. eventualmente valeria a pena discutir a premência da introdução do hábito das dobragens para determinados nichos. em todo o caso, acho que deveria ser sempre encarada por aí, enquanto resposta para nichos (de horário, de idades, de temáticas), sem eliminar a hipótese de aceder sempre ao original e não como prática generalizada.
aliás, com as tecnologias de que hoje dispomos, não me parece que seja assim tão complicado um tipo optar a cada momento por uma versão com ou sem legendas.

catarina disse...

Para mim o problema das legendas em vez de dobragens tem que ver precisamente com a oferta (e, claro, com o que a oferta representa em termos de hábitos, educação e configuração do prime time). A explicação das dobragens como imposição de língua única, e hoje como exigência corporativa de actores, também conheço. Não conhecia era o argumento de moldar discursos. Independentemente das causas - a alfabetização no centro e norte da Europa foi evangelização protestante - as consequências têm de ser discutidas. Claro que não me parece que se possa "voltar a trás" (as vozes originais dos actores são-nos imprescindíveis - mais ou menos na mesma medida em que a voz original do Woody Allen é irritante para os italianos). E concordo contigo: a solução está em disponibilizar as várias opções. Essa é também a solução para os deficientes (que são também muito maltratados tendo em conta as possibilidades tecnológicas). E é por isso tudo que me irrita que isto não se discuta. Parece-me que quem não consegue ler legendas dificilmente exigirá soluções. Mas quem consegue ler legendas e olhar para o nosso país ao mesmo tempo tem de exigir.