24 agosto 2008

o público errou

Ontem um dos artigos do P2 chama-se: "Do outro lado da cidade" e é assinado pela Ana Cristina Pereira. Na introdução diz simplesmente: "Moram num sítio onde ninguém vai a menos que precise muito. Moram em Campanhã, a mais estigmatizada freguesia do Porto. O fotojornalista Paulo Pimenta propôs-lhes um exercício: fotografá-los onde moravam, onde moram , onde gostariam de ser vistos." E depois tem o perfil de duas famílias, ilustrado pelos seus retratos. Assim, sem mais.

Sem dizer que as fotografias de que fala, e que mostra, são muito mais do que a ilustração de um artigo. São parte de um projecto artístico muito mais vasto, da autoria do fotógrafo Paulo Pimenta e da companhia de teatro Visões Úteis (que não é sequer referida). Aquelas 6 imagens fazem parte de uma exposição composta por 21 imagens criadas ao longo de um projecto que nos acompanha há quase dois anos. Aquele conceito de traçar uma geografia do Porto através de retratos de famílias que habitam zonas marginalizadas da cidade, nasceu do discurso do Visões Úteis sobre a cidade e da cumplicidade com o Paulo Pimenta.

Estávamos a preparar O Resto do Mundo - teatro num táxi pela cidade e desafiámos o fotógrafo Paulo Pimenta e o realizador Pedro Maia a acompanharem-nos no processo e a desenvolverem um trabalho próprio sobre a zona oriental da cidade. O Pedro respondeu ao desafio com A Caminho do Resto do Mundo e o Paulo com Vou ao Porto. Com o Paulo fomos a todo o Porto e ao longo de um ano trabalhámos com oito famílias que habitam a zona oriental, com os assistentes sociais que nos ajudaram a dar corpo ao projecto, com os vizinhos que nos aturaram, com as famílias alargadas que nos receberam. Para além do Paulo Pimenta, autor do projecto, e de mim, que com ele o coordenei, estiveram envolvidos a Ana Vitorino, o Carlos Costa, o Pedro Carreira e o Nuno Casimiro.

Já o disse antes: este projecto foi uma das viagens criativas que mais me marcou nos últimos tempos. Vê-lo reduzido a mera ilustração de artigo foi um soco no estômago. Tenho a certeza de que ao Paulo ainda custou mais. E, autorias e emoções à parte, a verdade é que o artigo, assim, simplesmente não tem sentido. São dois perfis sem qualquer contextualização ilustrados por retratos (!) do fotojornalista Paulo Pimenta. Sim, o mesmo que nos mostra sempre o movimento da história e do olhar. Até as imagens (belíssimas, fortes), confundidas com fotojornalismo, uma vez que se lhes retirou o contexto - o projecto artístico que as sustenta -, aparecem quase como um erro de linguagem. Uma crueldade.

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