30 dezembro 2009

Crise e Cultura: será que as Indústrias Criativas vão aparecer numa manhã de nevoeiro para nos salvar?

Ao longo de 2009, grupos de pressão europeus de defesa do sector cultural aconselharam os agentes culturais a terem como mote na sua discussão de financiamentos públicos "forget about culture" (esqueçam a cultura), para centrar todo o discurso na importância da Cultura na Economia, Qualificação, Inovação. Ou seja, este não é o tempo para falar da importância da Cultura mas sim para mostrar que é aí que está a saída para a Crise. Terá sentido?

Em Portugal não sabemos bem qual é o impacto da Crise na Cultura. Temos a noção que os profissionais da arte e da cultura vivem pior - não vivemos todos? - e que é provável que algum património não esteja no melhor estado... Talvez demoremos algum tempo a perceber tudo o que estamos a perder, que caminho sem retorno está a levar parte de nós.

E, enquanto quotidianamente vamos sacudindo os males que a Crise provoca na Cultura - e se os podemos sacudir com tanta leveza não nos devemos perguntar se a Cultura terá o devido peso nesse quotidiano? -, responsáveis de instituições culturais públicas e privadas falam das indústrias criativas como quem descobriu a cura para todos os males. Estamos em plena euforia de indústrias criativas (ou melhor, de discurso sobre indústrias criativas). Não é já a Cultura que nos vai salvar, mas - fruto também do "forget about culture"? - as indústrias criativas que nos vão tirar da Crise.

E é este o mais visível impacto da Crise na Cultura. Um país que nunca definiu serviços públicos de cultura, que não tem estatutos profissionais próprios para os trabalhadores do sector cultural e lhes nega protecção social, que não tem práticas de descentralização cultural aprofundadas, em que existem redes de equipamentos culturais que não o são porque não têm programas nem financiamentos, em que há instituições culturais sem qualquer relação com a população que supostamente servem, em que nunca há lugar para programas de promoção e qualificação cultural de médio e longo prazo, em que tudo se mede evento a evento, em que as grandes instituições e os grandes eventos culturais competem pelos mesmos 30% de população potencial público de Cultura e todos parecem esquecer os outros 70% que nunca participam em qualquer actividade cultural, em que o acesso a meios de produção cultural é escassa, ... um país com uma vida cultural tão frágil reage à Crise trocando Cultura por indústrias criativas.

E o que são as indústrias criativas? Entidades de produção altamente qualificadas de... qualquer coisa. São más? Claro que não! Mas substituem a necessidade de serviços públicos em Cultura? Substituem a necessidade de oferta e produção artística plural? Podem existir num meio sem uma vida cultural activa? Onde se geram os profissionais qualificados que alimentam as indústrias criativas? Onde se geram os consumidores para os produtos dessas indústrias? Onde nos levará esta onda suicidária de quem permanentemente espera e reclama frutos de sementes que se recusa a plantar?

O maior desafio em 2010 será, no meio da Crise, lembrarmo-nos por uma vez da Cultura.


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